Os processos urgentes encontram-se previstos no artigos 36 e 97 e seguintes do CPTA.
Estes são processos que devem ou têm de obter quanto a decisão de mérito, uma resolução judicial definitiva num tempo mais curto que o tempo considerado "normal" para a generalidade dos processos nem sendo suficiente o secretamente de uma providência cautelar que regule a título provisório a situação.
Cabe referir que a enumeração do artigo 36 não implica um "números cláusula", ou seja não é taxativa, permitindo que existam outros processos que admitam caráter urgente, tanto que nos parece que no artigo 121/1 e 132/5 do CPTA,quando permite ao juiz antecipar o juízo sobre a causa principal, e no artigo 132/5, quando pode determinar a imediata correção da ilegalidade das especificações contidas nos documentos conformadores do procedimento que era invocado como fundamento do processo principal, decidindo assim o mérito da causa.
Estas normas parecem conduzir a uma abertura do sistema para a criação "ad hoc" de novos processos urgentes, sempre que tal seja seja necessário é possível.
Estes processos, dado o seu caráter urgente correm em férias, são dispensados de vistos prévios, os atos de secretaria são praticados no próprio dia com prevalência sobre quaisquer outros, são decididos prioritariamente, os recursos sobem imediatamente e os prazos são reduzidos a metade. (Artigo 36/2/3/4, 97 e seguintes e artigo 147 do CPTA).
Existem 5 espécies de processos urgentes
- acções relativas a eleições administrativas (contencioso eleitoral, artigo 98 CPTA)
- acções relativas a procedimentos de massa (contencioso dos procedimentos de massa, artigo 99 CPTA)
- acções relativas á formação de determinados contratos (contencioso pre contratual, artigo 100 e as CPTA)
- intimação para prestação de informações (artigo 104 e as CPTA)
- intimação para protecção de direitos liberdades e garantias
Iremos focar-nos no ultimo processo urgente: a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 109 e ss CPTA.
Este processo urgente foi criada em 2002, de forma a reconhecer a importância de uma protecção acrescida dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Esta protecção acrescida, justifica-se na sua substância, tendo em conta a especial ligação destes direitos à dignidade da pessoa humana e na sua oportunidade, estando consciente do perigo acrescido da respetiva lesão, referindo que nas sociedades actuais, o exercício destes direitos depende ,de modo cada vez mais intenso, de atuações administrativas negativas (proibições, imposições ou limitações), mas também positivas (atuações de tipo autorizativo).
Esta intimação deve limitar-se a situações em que esteja em causa, directa e imediatamente o exercício do próprio direito, liberdade, garantia ou direito análogo.
Um exemplo do referido supra, pode retirar-se do acórdão do Tribunal Central Adminstrativo do Sul de 10 de Maio de 2012, que refere a intimação contra a proibição administrativa de militares que se encontravam no ativo, não poderem participarem em manifestação a realizar em determinada data. O direito aqui em causa seria o direito à manifestação, tal como outros podem surgir, sendo a avaliação feita caso a caso.
Os pressupostos desta intimação estão presentes no artigo 109 1 e 2 do CPTA, tendo a decisão que ser urgente, está urgência possui um caráter gradativo, sendo avaliado em função das circunstâncias do caso concreto. Se tal lesão for eminente ou reversível o juiz acelera o processo, como previsto no artigo 110/3 do CPTA.
O segundo pressuposto trata da impossibilidade ou não suficiência, nas circunstâncias do caso, de decretar uma providência cautelar. Esta disposição da lei é pleonástica, visto que se é indispensável uma decisão de mérito urgente para evitar a lesão do direito, exclui-se automaticamente o procedimento cautelar, tendo em conta que este é provisório e não pode ser obtido para resultados definitivos, que é o que se pretende com esta intimação.
O artigo 110-A/1 do CPTA, remete para as ações normais da generalidade dos casos, em que não é indispensável uma decisão de fundo urgente, dando a entender o corpo do artigo o caráter subsidiário e excepcional da intimação.
A legitimidade ativa para propor esta intimação pertence, aos titulares dos direitos, liberdades e garantias, ou seja os titulares das posições jurídicas subjectivas.
Já a legitimidade passiva, pertence á pessoa colectiva ou ao Ministério a ser intimado.
O conteúdo do pedido, visa sobre a condenação na adopção de uma conduta, positiva ou negativa, por parte da administração.
Em relação a tramitação, o artigo 110/1 prevê um despacho liminar proveniente do juíz, em que o mesmo verifica se o pedido cumpre os requisitos legais e se a lesão invocada pode ser evitada pelo mero decretamento da providência cautelar.
A tramitação pode ter vários andamentos possíveis, como previstos no artigo 110/3 CPTA e respectivas alíneas. (Tramitação acelerada, no número 3, alínea a) e tramitação simplificada na respetiva alínea c) do mesmo artigo.
Cabe também referir, que o artigo 109/3 do CPTA, é a única hipótese em que a lei concede ao juíz poderes de substituição, no âmbito do processo declarativo, ou seja fora das situações de execução da sentença.
O incumprimento da intimação encontra-se previsto no artigo 111/4 do CPTA, sujeitando o órgão responsável ou o particular ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a fixar pelo juiz na decisão de intimação ou em despacho posterior.
Em relação aos recursos jurisdicionais, estes são sempre admissíveis, independentemente do valor da causa, relativos á improcedência de pedidos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. (Artigo 142/3a) CPTA).
Catarina Leal Nº23519
segunda-feira, 30 de novembro de 2015
O Processo Cautelar no Contencioso Administrativo
Os processos cautelares,
figura existente tanto no Processo Civil como no Contencioso Administrativo,
visam assegurar a utilidade de uma causa principal, garantindo o tempo
necessário para se fazer justiça.
Como expressamente
resulta do artigo 268º/4 CRP, a tutela jurisdicional efetiva perante a
Administração Pública inclui a adoção de medidas cautelares adequadas,
estabelecem, pois, uma regulação provisória para o litígio, dirigida a
assegurar a justa composição dos interesses durante a pendência do processo
declarativo.
Em Contencioso
Administrativo o regime dos processos cautelares está contemplado nos artigos
112º e ss. do CPTA. Cumpre analisar.
A lei alude, no artigo
112º/1 CPTA, de que as providências cautelares existem para assegurar a
utilidade das sentenças a proferir nos processos judiciais, logo, para prevenir
a inutilidade, total ou parcial, das sentenças. O
legislador consagrou a possibilidade da parte legitima intentar não apenas uma
providência cautelar, mas várias, com o objetivo de obter o resultado
pretendido através da conjugação dos efeitos de cada uma. Conforme decorre do artigo 114º/1 CPTA, as providências cautelares tanto
podem ser requeridas antes, como simultaneamente ou mesmo depois da propositura
da ação principal. O
Tribunal tem ainda uma margem de discricionariedade para optar pela adoção de uma ou de várias providências e até, ouvidas as partes, pela
adoção de outra ou de outras, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas
que tinham sido concretamente requeridas, “quando tal se revele adequado
a evitar ou atenuar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente e
seja menos gravoso para os demais interesses, públicos ou privados, em
presença”, conforme harmoniza o artigo 120º, nº 3 CPTA.
Estas providências podem ter um
caráter conservatório ou antecipatório, conforme o caso. As primeiras visam
conservar a situação de facto anterior por forma a prevenir uma alteração que
se antevê como prejudicial. As segundas visam obstar a que se verifiquem
prejuízos ocasionados pela demora da decisão definitiva, constituindo uma
antecipação provisória dos efeitos dessa decisão. Por outras palavras, têm
carácter antecipatório dos efeitos da ação principal.
A legitimidade
para requerer a adoção de providências cautelares não pertence apenas aos particulares
que recorram à justiça administrativa em defesa dos seus direitos ou
interesses legalmente protegidos, mas também ao Ministério Público e a quem
quer que atue no exercício da ação popular ou impugne um ato administrativo
com fundamento num interesse direto e pessoal, no óbvio pressuposto de que
a todos deve ser reconhecida a possibilidade de verem acautelada a utilidade do
processo principal que estão legitimados a intentar (cfr.
artigos 112º/1 e 124º/1).
O
Juiz, na sua análise da situação, deve em concreto aferir se há ou não razões
para decretar a providência, por receio de que a sentença final seja inútil.
Vejamos,
a inutilidade da sentença, periculum in
mora, pode ser, tal como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, por infrutuosidade, no caso das
providências conservatórias, quando já não é possível dar corpo, no plano dos
factos, ao que é determinado na sentença, pelo que se assiste à perda
definitiva da utilidade pretendida no processo principal. E pode ainda ser
inútil em virtude do retardamento com
que são proferidas, no caso das providências antecipatórias, pois, embora a sua
execução seja possível e permita evitar a produção de danos futuros, a verdade
é que já não está em condições de remover os danos irreparáveis ou de difícil
reparação que resultaram do estado de insatisfação do direito que se manteve
durante a pendência do processo.
Cabe
ao Juiz aferir a procedência da causa principal, isto é, de avaliar
sumariamente a existência do direito invocado. É factor relevante, e critério
legal, para a decisão de adopção da providencia cautelar o caráter evidente da
procedência da ação principal.
Quando
haja incerteza relativamente à existência da ilegalidade ou do direito do
particular, a lei opta por uma graduação. Se a probabilidade for maior, pode
ser decretada, mesmo que a titulo antecipatório. Se for requerida apenas uma
conservatória, já não é preciso que se prove ou que o juiz fique com a
convicção da probabilidade de que a pretensão seja procedente nos termos da
lei, bastando que não seja manifesta a falta de fundamento.
Tal
como defende o Professor Vasco Pereira da Silva, a lei basta-se com um juizo
negativo de não improbabilidade da procedência da ação para fundar a concessão
de uma providência conservatória, mas obriga a que se possa formular um juizo
positivo de probabilidade para justificar a concessão de uma providência
antecipatória.
O
Juiz deve de ponderar todos os interesses, pois multiplicam-se hoje as
situações em que estão em causa decisões complexas, envolvendo uma multiplicidade
de interesses públicos e privados conflituantes, de forma a defender a
própria decisão sobre a concessão ou não da providência dos interesses
preponderantes no caso concreto, sempre que seja evidente a procedência ou
improcedência da pretensão. Deve de atender aos resultados das duas
alternativas e avaliar os possíveis prejuízos resultantes da concessão ou
recusa, ver artigo 120º/2. Pode acontecer que o Ministério Público, ou um grupo
de moradores, se movam em defesa de interesses públicos, porventura
contrapostos aos (outros) interesses públicos que determinaram a atuação da
Administração, e só uma adequada ponderação global dos interesses em presença
permitirá alcançar uma decisão judicial justa.
O
Professor Vasco Pereira daa Silva alude no seu manual às características das
providências cautelares, conforme transparece do regime, e são fundamentalmente
a instrumentalidade, a provisoriedade e a sumariedade.
A
instrumentalidade, em relação a um processo principal, é claramente afirmado no
artigo 113º/1, onde se assume que o processo cautelar depende da causa que
tem por objeto a decisão sobre o mérito. Por este motivo, se o processo cautelar for intentado em momento
anterior ao da instauração
do processo principal, ele
é intentado “como preliminar”, e,
por isso, as providências cautelares que vierem a ser adoptadas caducam se o
requerente não fizer uso, no prazo de 90 dias,
do meio principal adequado, artigo 123º/2. Pelo mesmo motivo, as providências também caducam se o
processo principal estiver parado durante mais de três meses por negligência do
interessado ou se nele vier a ser proferida decisão transitada em julgado desfavorável
às suas pretensões, artigo 123º/1 b).
A provisoriedade, por sua vez, não
se dedica a resolver definitivamente o litigio. Decorre, por isso, da
possibilidade de o tribunal revogar, alterar ou substituir, na pendência do
processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a adopção de
providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das circunstâncias
inicialmente existentes, artigo 124º/1, designadamente por ter sido proferida,
no processo principal, decisão de improcedência
de que tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo, artigo
124º/3. Por outro lado, é afirmado o princípio de que o tribunal não pode dar,
através da concessão de uma providência cautelar, o que só à sentença
final cumpre proporcionar, se vier a dar provimento às pretensões deduzidas
no processo principal. Não significa isto que uma providência cautelar não
possa antecipar, a título provisório, a produção do mesmo efeito que a
decisão a proferir no processo principal poderá determinar a título
definitivo. É ponto assente de que essa antecipação tenha, na verdade, lugar a
título provisório e, portanto, que
ela possa caducar se, no processo
principal, o juiz chegar a conclusões que sejam incompatíveis com a
manutenção da situação provisoriamente criada. A títtulo exemplificativo, se o
interessado pretender que, no processo principal, lhe seja reconhecido o
direito a ser admitido num concurso, é possível que, a título cautelar, o
tribunal determine a sua admissão provisória, permitindo-lhe participar do
concurso em condições precárias, até que, no processo principal, se esclareça
se lhe assiste ou não esse direito. O que a providência cautelar não pode fazer
é antecipar, a título definitivo, a
constituição de situações que só a decisão a proferir no processo principal
pode determinar a título definitivo, em tais condições que essa situação já
não possa ser alterada se, no processo
principal, o juiz chegar, a final, a conclusões que não consintam a sua
manutenção. Por conseguinte, se o interessado pretender a obtenção de
licença para demolir um imóvel ou de autorização para realizar uma
manifestação, o tribunal não pode impor, como providência cautelar, que
a licença ou a autorização sejam concedidas.
Quanto
à sumariedade, esta tem que ver com a cognição dos factos pela urgência do
processo. O juiz basta-se pela mera existência de juizo de probabilidade sobre
o direito invocado. Esta urgência limita o contraditório, o que em certas
situações leva ao decretamento provisório imediato da providência, sem audição
da parte contrária. No entanto, em momento posterior há lugar ao decretamento
definitivo, dotado de contraditório. Esta regra patente no CPTA comunga do
regime do 366º do CPC.
Num plano distinto da tutela cautelar
sugem os processos urgentes, os quais merecem destaque. Sempre que o periculum in mora comprometa o efeito
útil do processo principal e só possa ser evitado através da antecipação de um
efeito que apenas pode ser determinado pela sentença a proferir no processo
principal, será necessário obter, com carácter de urgência, uma decisão
sobre o mérito da questão colocada no processo principal. Isto assim sucede,
pois a concessão da providência pode tornar o processo principal inútil. A decisão
neste tipo de processos já não pertence, porém, ao domínio da tutela cautelar,
mas ao domínio da tutela final urgente, e só pode ter lugar se se
preencherem os pressupostos de que depende a utilização de processos
principais urgentes especificamente instituídos na lei, artigos 97º e ss.,
como a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, que
intervém precisamente, artigo 109º/ 1, quando não seja possível ou
suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência
cautelar.
A título conclusivo, uma providência
cautelar, que vise acautelar interesses
legalmente protegidos, para ser decretada tem de ser sempre necessária,
adequada e proporcional. O juiz na sua prognose célere e fundamentada deve de
ter em especial atenção os interesses afectados tanto no caso de haver procedência
ou recusa, com vista a evitar que se constituam lesões ou situações mais
gravosas do que aquelas que existiam anteriomente.
BIBLIOGRAFIA:
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Lições de Direito Administrativo, 14º Edição, Almedina 2015;
- VASCO PEREIRA DA
SILVA, O contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009;
- VIEIRA DE
ANDRADE, A Justiça Administrativa, 12ª Edição, Almedina, 2012.
João Luís Ferreira Nunes
nº 23461
O conceito de “Interesse” do art. 55º/1 a) CPTA: de facto ou derivado de uma situação jurídica?
O
conceito de “Interesse” do art. 55º/1 a) CPTA: de facto ou derivado de uma
situação jurídica?
1- breve introdução à legitimidade ativa:
A legitimidade processual ativa e passiva,
enquanto pressuposto processual, surge em primeiro plano nos arts. 9º e 10º do
código processo tribunais administrativos (CPTA), respectivamente, estando em
análise a legitimidade ativa. Assim, quanto à legitimidade ativa, o art9º/1
acaba por ser de aplicação residual tendo em conta os critérios especiais
presentes no CPTA, sendo neste caso abordado o art. 55º. Este último não
estabelece que o autor é parte legítima quando “alegue ser parte numa relação
material controvertida”, como o faz o art. 9º/1 numa perspectiva subjetivista,
alargando a possibilidade a quem não seja titular mas tenha um interesse direto
e pessoal. Segundo Aroso de Almeia[1],
é interessado quem “alegue a titularidade de uma situação cuja conexão com o
objecto da ação proposta o apresente em condições de nela figurar como autor”.
2- de facto ou derivado de uma situação jurídica:
A alínea a) do 55º CPTA, que é a que nos
interessa neste momento, estabelece o interesse individual. Tem este de se
basear num interesse jurídico (posição jurídica substantiva) ou pode fazê-lo
basear-se apenas num interesse de facto, ampliando assim o âmbito da
legitimidade? Torna-se, de facto, relevante a distinção tendo em conta a
ligação, legal, que existe entre interesse e legitimidade, visto que para que
esta última se verifique, tem de existir o dito interesse. Posto isto, saber em
que é que este interesse se pode fundar e consequentemente em que é que a
legitimidade se pode fundar é pertinente.
2.1- situação jurídica:
José Duarte Coimbra[2]
avança com três situações possíveis para o significado de ter interesse: i) ter
uma necessidade ii)- a verificação da situação pretendida resultar em algo de
bom para o sujeito iii)- o sujeito possuir razões para querer a verificação da
situação em causa. Analisando:
i)- traz a dificuldade de estabelecer-mos o que significa esta
necessidade e ainda que esta possa ser ditada pelo autor, isto é, que seja o
próprio a definir o que é uma necessidade;
ii)- à semelhança do ponto i), traria dificuldade de definição e
subjetividade;
iii)- para este terceiro, isto é, para que se defenda que se tenha
de basear num interesse jurídico, adianta-se que o conceito de legitimidade é
dado pelo próprio direito, sendo assim um conceito “jurídico”, institucional,
regulado, claro está, com base jurídica. Posto isto, para que haja uma relação
sujeito-objecto, têm de existir razões de ordem jurídica que sustentem tal
relação. Acresce que, a situação jurídica seria entendida em sentido amplo.
Nesta senda, Vasco Pereira
da Silva[3][4],
sendo que para o autor, o art. 55º/1 a) CPTA não vem dizer mais nem menos que o
art. 9º/1 do mesm diploma, repetindo assim este último e conferindo um posição
subjetivista. Vem deste modo abranger os sujeitos que atuem em defesa de
interesses próprios e que para tal tenham de ser titulares de situações
jurídicas.
Hauriou defendia também que
o interesse devia derivar de uma situação jurídica.
2.2- interesse de facto:
Teríamos, na prática, uma utilidade ou vantagem
para o autor[5]. Segundo Vieira de
Andrade[6]
os titulares de meros interesses de facto têm legitimidade para efeitos de impugnação,
numa perspectiva claramente objectivista. Quem defende esta posição acaba por
se basear, de certa forma, na queda do terceiro critério (que existia antes da
anterior reforma do processo administrativo), a saber, a legitimidade. Acrescentava-se
que para além de direto e pessoal, teria também de ser legítimo. Ora, caindo
este critério, postula-se que o que está em causa não é permitir que o
interesse seja ilegítimo, até porque tal não faria sentido, mas apenas que
basta ser um interesse de facto. Em suma, não é necessário estar em causa um
bem jurídico do autor. Nesta senda temos também Aroso
de Almeida, que nos diz ser suficiente que o autor alegue ser titular de
um interesse direto e pessoal e que foi lesado pelo ato que pretende impugnar.
Na jurisprudência, neste sentido, temos por exemplo o acórdão do Tribunal
Central Administrativo do Norte, de 9 de fevereiro de 2006, processo nº 00228/04.
De mencionar que Marcello
Caetano[7]
já contestava a recondução a um interesse jurídico, defendendo que interesse
podia ser, inclusive, moral.
3- Conclusão:
Em breves palavras pretendo apenas dizer que,
pelo exposto supra, inclino-me mais para uma visão subjetivista, isto é, da
necessidade de o sujeito ter por base uma situação jurídica, até para que não
haja um poder de decisão por parte do sujeito do que é ou não um interesse,
ainda para mais com alguma margem de discricionariedade. Aliás, cria-se uma
ideia vaga do que é um interesse, se aceitar-mos que pode ser de facto.
André Madeira de Jesus, nº23403
[2] in “A «legitimidade» do Interesse na Legitimidade Ativa de
Particulares para impugnação de atos administrativos”
[5] Mário
Esteves de Oliveira/ Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo Tribunais
Administrativos comentado, almedina, 2004
[7] in
O interesse como condição de legitimidade no
recurso direto de anulação, in estudos
de direito administrativo, 1974
Legitimidade processual e
Interesse em agir
1. Introdução
Neste post iremos falar sobre dois pressupostos processuais relativos às
partes no âmbito do contencioso administrativo e tributário, pressupostos esses
que muitas vezes se confundem, sendo pois importante proceder à sua distinção
como o máximo de clareza possível.
Numa primeira parte será, este tema, abordado de um poto de vista teórico
e, numa segunda parte, procederemos a uma análise crítica de u acórdão
referente à matéria em causa.
2. Parte Um
(i) Legitimidade Processual:
Um dos pressupostos processuais relativos às partes no âmbito do
contencioso administrativo, consiste na denominada legitimidade processual.
Podemos desde logo referir que a “legitimidade
em sentido processual exprime uma relação entre um determinado sujeito e o
objecto do processo. Não é um atributo do sujeito, em si mesmo, mas antes uma
qualidade desse sujeito em relação a uma determinada acção com um certo objecto.”[1]
A Legitimidade Processual divide-se em: legitimidade processual activa e
legitimidade processual passiva.
A legitimidade activa e passiva encontram-se desde logo reguladas na parte
geral do CPTA no art.9º e 10º respectivamente[2].
De acordo com o nº1, do art.9º do CPTA, “Sem prejuízo do disposto no número
seguinte no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima
quando alegue ser parte na relação material controvertida[3].”.
Na anterior versão do CPTA, o nº1 do art.9º estabelecia um critério
geral, derrogado por um conjunto de solução previstas, nomeadamente, no antigo
art. 40º, 55º, 57º, 68º e 73º, referentes a tipos especiais de acções. “Daqui
resulta que o critério do artigo 9º, nº1, (…) é de aplicabilidade residual,
circunscrita aos tipos de litígios cuja estrutura se aproxima do modelo do
processo civil e que, estatisticamente, não são os mais representativos no
processo administrativo, correspondendo apenas aos casos que não são objecto de
um regime especial próprio: casos que, de modo também residual, seguem a forma
da acção administrativa comum, à qual se sobrepõem as formas especiais do
processo administrativo.”[4]
Ora com a reforma do CPTA, deixou, como sabemos, de haver a dualidade de acções
no contencioso administrativo, deixando pois de haver uma acção especial e uma acção
comum, passando sim, a existir a acção administrativa.
Não obstante as profundas alterações que sofreu o novo CPTA, do ponto de
vista da legitimidade, nomeadamente activa, podemos dizer que se manteve esta
relação de especialidade (com as devidas adaptações face à eliminação da antiga
acção especial administrativa) de algumas normas referentes a determinados
tipos de acções, como por exemplo[5],
o art. 55º, relativo à legitimidade activa para impugnar um ato administrativo,
relativamente ao nº1, do art.9º que, mantém este carácter mais “geral”.
No nº2, do art.9º CPTA encontramo-nos perante, como refere o Professor
Mário Aroso de Almeida, “um fenómeno de extensão da legitimidade”[6].
Trata-se da denominada “Legitimidade para defesa de interesses difusos”[7].
Decorre pois deste nº2 que é atribuída legitimidade a todos os sujeitos
nele descritos, “independentemente de ter interesse pessoal”[8],
para propor uma acção “nos termos previstos na lei, em processos principais e
cautelares”[9] para
defesa dos valores enunciados neste mesmonº2 do art.9º.
No que toca à legitimidade passiva, cabe chamar à colação o art. 10º do
CPTA que, no seu nº1, refere que a legitimidade passiva corresponde, em termos
gerais, à “outra parte na relação material controvertida”[10],[11].
(ii) Interesse em agir
Outro dos pressupostos processuais relativos às partes é o Interesse em agir. Podemos definir este
pressupostos como a indispensabilidade de o autor recorrer à tutela judiciária,
a fim de satisfazer a sua pretensão.
Como refere o Professor Paulo Pimenta o “interesse em agir não se
confunde com a legitimidade, porque o interesse directo em demandar e em
contradizer (que caracteriza a legitimidade) refere-se ao objecto da lide, ao
conteúdo material da pretensão, enquanto que o interesse em agir respeita ao
interesse no próprio processo, no recurso à via judicial[12]”[13].
Ou seja, se o autor, por exemplo, não tiver necessidade efectiva de tutela
judiciária, i.é., necessidade de recurso aos tribunais para satisfazer a sua
pretensão, então nesse caso o autor não tem interesse em agir.
No âmbito do processo administrativo é clara a distinção entre interesse
em agir e legitimidade processual, e tal é patenteado no art. 39º CPTA.
(iii) Conclusão Parte I
Em suma tratam-se de dois importantes pressupostos processuais tanto do
contencioso administrativo como do Processo Civil e cuja distinção é de extrema
importância.
Tiago Geada Seoane
nº23196
Turma A
Subturma3
[1] Mealha, Esperança, “Personalidade
Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas”, Publicações CEDIPRE
Online-2, http://www.cedipre.fd.uc.pt,
Coimbra, Novembro de 2010.
[2] Contrariamente ao que
sucede no CPC (art.30ºCPC), e como refere o Professor Mário Aroso de Almeida, “o
CPTA regula separadamente as questões da legitimidade activa e da legitimidade
passiva”. Almeida, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”,
Almedina, 2013.
[3] Sublinhado meu.
[4] Almeida, Mário Aroso de, “Manual
de Processo Administrativo”, Almedina, 2013.
[5] Cfr. também os arts.68º e 77º-A.
[6] Almeida, Mário Aroso de, “Manual
de Processo Administrativo”, Almedina, 2013.
[7] Almeida, Mário Aroso de, “Manual
de Processo Administrativo”, Almedina, 2013.
[8] Art.9º, nº2 CPTA.
[9] Art.9º, nº2 CPTA..
[10] Art.10º, nº1 CPTA.
[11] Para uma análise mais
desenvolvida sobre a legitimidade passiva, cfr. pp. 253 e ss. do “Manual de
Processo Administrativo”, do Professor Mário Aroso de Almeida.
[12]Sublinhado meu.
[13] Pimenta, Paulo, “Processo
Civil Declarativo”, Almedina, 2014.
PROVIDÊNCIAS CAUTELARES – CARACTERÍSTICAS
PRINCIPAIS
O processo cautelar tem como
função assegurar a utilidade do processo principal. Isto acontece porque os
processos principais são morosos, já que implicam uma cognição plena, o que
obriga a que se leve mais tempo para se poder julgar bem. Podemos dizer que as
providências cautelares têm uma finalidade preventiva, ou seja, visam assegurar
que, no momento em que é proferida a decisão do pedido principal, essa sentença
ainda é útil.
As providências cautelares têm três
características principais: instrumentalidade (só há processo
cautelar se houver processo principal), provisoriedade (não vai resolver de
forma definitiva o litígio) e sumaridade (justifica-se pelo
carácter provisório e urgente; nos processos cautelares não há uma cognição plena,
existe apenas uma cognição sumária). Apesar do seu carácter urgente, as
providências cautelares não se confundem com processos urgentes autónomos,
estes são pedidos principais, ao contrário dos processos cautelares.
Como as providências cautelares
se destinam a assegurar a utilidade da decisão do pedido principal, a sua
concessão tem como requisito o perigo de inutilidade da sentença, mesmo que
seja uma inutilidade meramente parcial, sendo que esse perigo resulta do
decurso do tempo. O art.120º do CPTA revisto consagra, precisamente, este
requisito ao exigir que exista um “fundado receio”. Para a avaliação da
presença ou não deste perigo, o juiz tem de fazer um juízo de prognose, ou
seja, tem de ponderar se, no caso de haver sentença de provimento, há, de
facto, um receio de que essa sentença venha a ser inútil quer porque,
entretanto, se consumou uma situação incompatível com a sentença, quer porque
já se produziram danos que muito dificilmente serão reparados. Hoje, ao ser
aceite a universalidade das providências, tanto releva o periculum in mora de infrutuosidade, perigo esse que justifica o
decretamento de uma providência cautelar conservatória (procuram manter ou
preservar uma situação de facto já existente), como o periculum in mora de retardamento, que justificará a adopção de uma
providência antecipatória (evitar a ocorrência de um dano).
O juiz, para além do juízo de
prognose ao nível da perigosidade, tem de fazer um outro juízo de prognose no
qual avalia a probabilidade de procedência da acção principal, visto que a
providência é instrumental relativamente ao pedido principal. É neste contexto
que é dada relevância ao fumus boni iuris
ou aparência do direito, visto que o juiz faz um mero juízo de probabilidade
relativamente à existência ou não do direito que a parte pertende ver
acautelado. Apesar da sua relevância, hoje, este não é o critério único de
decisão quanto à concessão ou não da providência, a parte tem de comprovar o
fundado receio e tem de apresentar a probabilidade de procedência da acção
principal.
Para ser decretada uma
providência cautelar, ela tem de ser necessária, adequada e proporcional. Tem
de se limitar ao necessário para evitar a lesão (art.120º/3 CPTA), tem de ser
adequada a evitar essa lesão e tem de ser decretada a providência menos gravosa,
para os interesses contrários, dentro das adequadas.
Como foi supra referido, uma das características
das providências cautelares é a provisoriedade. As providências
cautelares são provisórias na medida em que não substituem a decisão do pedido principal
e porque caducam com a sua execução.
Por outro lado, as providências
têm carácter urgente, o que se manifesta na sumaridade do processo de decretamento
da mesma. A urgência é exigida pelo periculum
in mora. Visto que os processos principais exigem um conhecimento
aprofundado da questão, eles podem ser bastante morosos o que, em alguns casos,
põe em risco injustificado certos interesses legalmente protegidos. As
providências cautelares procuram esbater este perigo, dando aos particulares
uma protecção temporária até à decisão final do processo principal do qual a
providência é instrumental. Como a utilidade da providência assenta na
celeridade do seu decretamento, o juiz não pode conhecer aprofundadamente todos
os apectos da questão em apreciação, por isso a sua cognição é sumária e não
plena. Esta cognição é aceite porque está em causa a decisão de medidas temporárias,
para a tomada de medidas definitivas o juiz tem de ter o máximo de informação
possível, pelo que não se basta com uma cognição sumária. Deste modo, a decisão
do juiz assenta em juízos de probabilidade relativamente à existência do
direito que a parte pertente proteger, ao contrário do que se passa nos
processos principais. Nestes, o juízo é de certeza. Apesar do processo ser
sumário, procura-se assegurar o contraditório, embora seja um contraditório limitado,
só em alguns casos de especial urgência é decretada a providência sem que haja
lugar a contraditório, isto só se justifica, mais uma vez, pelo carácter
temporário da providência. Esta última possibilidade não está prevista no CPTA,
no entanto, o Professor Vieira de Andrade defende que devemos aplicar o
art.366º/1 do CPC que dá ao juiz o poder-dever de decretar a providência sem
que a contraparte seja ouvida, caso essa audiência coloque em grave risco o fim
ou a eficácia da providência. Quanto à parte que pede o seu decretamento, ela
tem de apresentar prova sumária dos fundamentos do pedido. O CPTA revisto
acentua a sumaridade ao não admitir prova pericial, ao permitir que o juiz
recuse os meios de prova que considere desnecessários ou dilatórios e ao
determinar que não há adiamento por falta de testemunhas ou de mandatários (art.116º/3
a 6).
Quanto à instrumentalidade, cabe dizer
que os processos cautelares em Portugal dependem sempre de uma causa principal,
sendo que este pedido tem por objecto uma decisão de mérito. Esta característica
é, desde logo, perceptível ao nível da legitimidade processual, já que só tem
legitimidade para pedir uma providência cautelar quem tenha legitimidade para
intentar o pedido principal (art.112º). Por outro lado, esta característica também
é evidente no art.113º, já que este determina que, embora o processo cautelar
seja tramitado autonomamente, ele está sempre na dependência da causa que é
objecto do processo principal. O processo cautelar pode ser intentado antes do
pedido principal ou juntamente com a petição inicial do processo principal ou,
ainda, na pendência do pedido principal. Há diversas outras normas que acentuam
esta intrumentalidade, como é o caso, por exemplo, do art.114º/3 quando diz que
o requerimento será rejeitado no caso de nele não constar a identificação
concreta do pedido principal a que se reporta. Ao nível das providências
cautelares existe o princípio da reversibilidade da providência que está
intimamente ligado à característica da instrumentalidade. Segundo este
princípio, não pode haver uma antecipação da decisão de mérito em termos irreversíveis
quando esteja em causa a concessão de uma providência cautelar. A decisão de
mérito irreversível só pode ocorrer no âmbito do pedido principal, visto que o
processo cautelar é um processo instrumental, sumário e provisório. Só deste
modo se justifica que a decisão assente em juízos de mera probabilidade e não
de certeza.
Em suma, o processo cautelar
trata-se de um meio preventivo que visa acautelar interesses legalmente
protegidos que, na falta de uma medida tomada de forma célere, correm o risco
de serem afectados de forma irreversível. Contudo, isto não quer dizer que toda
e qualquer providência cautelar, por mais que seja meramente temporária, seja
justificada, trata-se de uma forma de contrabalançar interesses opostos, ou
seja, o juiz tem sempre de pesar os interesses em jogo e, caso decida conceder
a providência, tem de garantir que as consequências do seu decretamento não são
demasiado gravosas para a parte com interesses contrários.
Matilde da Sela, nº23416
Subscrever:
Mensagens (Atom)