segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Os processos urgentes

Os processos urgentes encontram-se previstos no artigos 36 e 97 e seguintes do CPTA.
Estes são  processos que devem ou têm de obter quanto a decisão de mérito, uma resolução judicial definitiva num tempo mais curto que o tempo considerado "normal" para a generalidade dos processos nem sendo suficiente o secretamente de uma providência cautelar que regule a título provisório a situação.
Cabe referir que a enumeração do artigo 36 não implica um "números cláusula", ou seja não é taxativa, permitindo que existam outros processos que admitam caráter urgente, tanto que nos parece que no artigo 121/1 e 132/5 do CPTA,quando permite ao juiz antecipar o juízo sobre a causa principal, e no artigo 132/5, quando pode determinar a imediata correção da ilegalidade das especificações contidas nos documentos conformadores do procedimento que era invocado como fundamento do processo principal, decidindo assim o mérito da causa.
Estas normas parecem conduzir a uma abertura do sistema para a criação "ad hoc" de novos processos urgentes, sempre que tal seja seja necessário é possível.
Estes processos, dado o seu caráter urgente correm em férias, são dispensados de vistos prévios, os atos de secretaria são praticados no próprio dia com prevalência sobre quaisquer outros, são decididos prioritariamente, os recursos sobem imediatamente e os prazos são reduzidos a metade. (Artigo 36/2/3/4, 97 e seguintes e artigo 147 do CPTA).
Existem 5 espécies de processos urgentes
- acções relativas a eleições administrativas (contencioso eleitoral, artigo 98 CPTA)
- acções relativas a procedimentos de massa (contencioso dos procedimentos de massa, artigo 99 CPTA)
- acções relativas á formação de determinados contratos (contencioso pre contratual, artigo 100 e as CPTA)
- intimação para prestação de informações (artigo 104 e as CPTA)
- intimação para protecção de direitos liberdades e garantias
Iremos focar-nos no ultimo processo urgente: a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 109 e ss CPTA.
Este processo urgente foi criada em 2002, de forma a reconhecer a importância de uma protecção acrescida dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Esta protecção acrescida, justifica-se na sua substância, tendo em conta a especial ligação destes direitos à dignidade da pessoa humana e na sua oportunidade, estando consciente do perigo acrescido da respetiva lesão, referindo que nas sociedades actuais, o exercício destes direitos depende ,de modo cada vez mais intenso, de atuações administrativas negativas (proibições, imposições ou limitações), mas também positivas (atuações de tipo autorizativo).
Esta intimação deve limitar-se a situações em que esteja em causa, directa e imediatamente o exercício do próprio direito, liberdade, garantia ou direito análogo.
Um exemplo do referido supra, pode retirar-se do acórdão do Tribunal Central Adminstrativo do Sul de 10 de Maio de 2012, que refere a intimação contra a proibição administrativa de militares que se encontravam no ativo, não poderem participarem em manifestação a realizar em determinada data. O direito aqui em causa seria o direito à manifestação, tal como outros podem surgir, sendo a avaliação feita caso a caso.
Os pressupostos desta intimação estão presentes no artigo 109 1 e 2 do CPTA, tendo a decisão que ser urgente, está urgência possui um caráter gradativo, sendo avaliado em função das circunstâncias do caso concreto. Se tal lesão for eminente ou reversível o juiz acelera o processo, como previsto no artigo 110/3 do CPTA.
O segundo pressuposto trata da impossibilidade ou não suficiência, nas circunstâncias  do caso, de decretar uma providência cautelar. Esta disposição da lei é pleonástica, visto que se é indispensável uma decisão de mérito urgente para evitar a lesão do direito, exclui-se automaticamente o procedimento cautelar, tendo em conta que este é provisório e não pode ser obtido para resultados definitivos, que é o que se pretende com esta intimação.
O artigo 110-A/1 do CPTA, remete para as ações normais da generalidade dos casos, em que não é indispensável uma decisão de fundo urgente, dando a entender o corpo do artigo o caráter subsidiário e excepcional da intimação.
A legitimidade ativa para propor esta intimação  pertence, aos titulares dos direitos, liberdades e garantias, ou seja os titulares das posições jurídicas subjectivas.
Já a legitimidade passiva, pertence á pessoa colectiva ou ao Ministério a ser intimado.
O conteúdo do pedido, visa sobre a condenação na adopção de uma conduta, positiva ou negativa, por parte da administração.
Em relação a tramitação, o artigo 110/1 prevê um despacho liminar proveniente do juíz, em que o mesmo verifica se o pedido cumpre os requisitos legais e se a lesão invocada pode ser evitada pelo mero decretamento da providência cautelar.
A tramitação pode ter vários andamentos possíveis, como previstos no artigo 110/3 CPTA e respectivas alíneas. (Tramitação acelerada, no número 3, alínea a) e tramitação simplificada na respetiva alínea c) do mesmo artigo.
Cabe também referir, que o artigo 109/3 do CPTA, é a única hipótese em que a lei concede ao juíz poderes de substituição, no âmbito do processo declarativo, ou seja fora das situações de execução da sentença.
O incumprimento da intimação encontra-se previsto no artigo 111/4 do CPTA, sujeitando o órgão responsável ou o particular ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a fixar pelo juiz na decisão de intimação ou em despacho posterior.
Em relação aos recursos jurisdicionais, estes são sempre admissíveis, independentemente do valor da causa, relativos á improcedência de pedidos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. (Artigo 142/3a) CPTA).

Catarina Leal Nº23519

O Processo Cautelar no Contencioso Administrativo

Os processos cautelares, figura existente tanto no Processo Civil como no Contencioso Administrativo, visam assegurar a utilidade de uma causa principal, garantindo o tempo necessário para se fazer justiça.
Como expressamente resulta do artigo 268º/4 CRP, a tutela jurisdicional efetiva perante a Administração Pública inclui a adoção de medidas cautelares adequadas, estabelecem, pois, uma regulação provisória para o litígio, dirigida a assegurar a justa composição dos interesses durante a pendência do processo declarativo.
            
Em Contencioso Administrativo o regime dos processos cautelares está contemplado nos artigos 112º e ss. do CPTA. Cumpre analisar.
A lei alude, no artigo 112º/1 CPTA, de que as providências cautelares existem para assegurar a utilidade das sentenças a proferir nos processos judiciais, logo, para prevenir a inutilidade, total ou parcial, das sentenças. O legislador consagrou a possibilidade da parte legitima intentar não apenas uma providência cautelar, mas várias, com o objetivo de obter o resultado pretendido através da conjugação dos efeitos de cada uma. Conforme decorre do artigo 114º/1 CPTA, as providências cautelares tanto podem ser requeridas antes, como si­mul­ta­nea­mente ou mesmo depois da pro­po­situra da ação prin­­cipal. O Tribunal tem ainda uma margem de discricionariedade para optar pela adoção de uma ou de várias providências e até, ouvidas as partes, pela adoção de outra ou de ou­tras, em cumulação ou em subs­ti­tui­ção daquela ou da­que­las que ti­nham si­do concre­tamente requeridas, “quan­do tal se revele ade­­quado a evi­tar ou ate­nuar a le­são dos interesses defendidos pelo reque­rente e seja me­nos gra­vo­so para os de­­mais interesses, públicos ou privados, em presença”, conforme harmoniza o artigo 120º, nº 3 CPTA.
Estas providências podem ter um caráter conservatório ou antecipatório, conforme o caso. As primeiras visam conservar a situação de facto anterior por forma a prevenir uma alteração que se antevê como prejudicial. As segundas visam obstar a que se verifiquem prejuízos ocasionados pela demora da decisão definitiva, constituindo uma antecipação provisória dos efeitos dessa decisão. Por outras palavras, têm carácter antecipatório dos efeitos da ação principal.
            
A legitimidade para requerer a adoção de pro­vidências cautelares não per­tence apenas aos par­ti­cu­la­res que recorram à justiça ad­mi­nis­trativa em defesa dos seus di­reitos ou interesses legal­men­te protegidos, mas também ao Mi­nistério Público e a quem quer que atue no exercício da ação po­pu­lar ou impugne um ato ad­­ministrativo com funda­men­to num in­teresse direto e pes­soal, no óbvio pressuposto de que a todos deve ser reconhecida a possibilidade de verem acautelada a utilidade do pro­ces­so prin­cipal que estão legitimados a intentar (cfr. artigos 112º/1 e 124º/1).
            
O Juiz, na sua análise da situação, deve em concreto aferir se há ou não razões para decretar a providência, por receio de que a sentença final seja inútil.
Vejamos, a inutilidade da sentença, periculum in mora, pode ser, tal como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, por infrutuosidade, no caso das providências conservatórias, quando já não é possível dar corpo, no plano dos factos, ao que é de­­terminado na sentença, pelo que se assiste à perda definitiva da utilidade pretendida no pro­cesso princi­pal. E pode ainda ser inútil em virtude do retardamento com que são proferidas, no caso das providências antecipatórias, pois, embora a sua execução seja possível e permita evitar a produção de danos futuros, a ver­dade é que já não está em condições de remover os danos irreparáveis ou de difícil re­pa­ra­ção que resultaram do estado de insatisfação do direito que se manteve duran­te a pendência do processo.
Cabe ao Juiz aferir a procedência da causa principal, isto é, de avaliar sumariamente a existência do direito invocado. É factor relevante, e critério legal, para a decisão de adopção da providencia cautelar o caráter evidente da procedência da ação principal.
Quando haja incerteza relativamente à existência da ilegalidade ou do direito do particular, a lei opta por uma graduação. Se a probabilidade for maior, pode ser decretada, mesmo que a titulo antecipatório. Se for requerida apenas uma conservatória, já não é preciso que se prove ou que o juiz fique com a convicção da probabilidade de que a pretensão seja procedente nos termos da lei, bastando que não seja manifesta a falta de fundamento.
Tal como defende o Professor Vasco Pereira da Silva, a lei basta-se com um juizo negativo de não improbabilidade da procedência da ação para fundar a concessão de uma providência conservatória, mas obriga a que se possa formular um juizo positivo de probabilidade para justificar a concessão de uma providência antecipatória.
O Juiz deve de ponderar todos os interesses, pois multiplicam-se hoje as situações em que es­tão em causa decisões com­ple­xas, envolvendo uma mul­ti­pli­ci­dade de interesses públicos e pri­va­dos conflituantes, de forma a defender a própria decisão sobre a concessão ou não da providência dos interesses preponderantes no caso concreto, sempre que seja evidente a procedência ou improcedência da pretensão. Deve de atender aos resultados das duas alternativas e avaliar os possíveis prejuízos resultantes da concessão ou recusa, ver artigo 120º/2. Pode acontecer que o Mi­nistério Público, ou um gru­po de moradores, se movam em defesa de interesses públicos, porventura contrapostos aos (outros) interesses públicos que determinaram a atuação da Administração, e só uma ade­quada ponderação global dos interesses em presença per­mi­­tirá alcançar uma de­ci­são ju­dicial justa.
            
O Professor Vasco Pereira daa Silva alude no seu manual às características das providências cautelares, conforme transparece do regime, e são fundamentalmente a instrumentalidade, a provisoriedade e a sumariedade.
A instrumentalidade, em relação a um processo principal, é claramente afirmado no artigo 113º/1, onde se assume que o pro­­­ces­so cautelar depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito. Por este motivo, se o processo cautelar for intentado em momento anterior ao da instauração do processo principal, ele é intentado “como preliminar”, e, por isso, as providências cautelares que vierem a ser adoptadas caducam se o requerente não fizer uso, no prazo de 90 dias, do meio principal adequado, artigo 123º/2. Pelo mesmo motivo, as providências também caducam se o processo principal estiver parado durante mais de três meses por negligência do interessado ou se nele vier a ser proferida decisão transitada em julgado desfavorável às suas pretensões, artigo 123º/1 b).
A provisoriedade, por sua vez, não se dedica a resolver definitivamente o litigio. Decorre, por isso, da possibilidade de o tri­bu­nal revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das cir­cuns­tâncias inicialmente existentes, artigo 124º/1, designadamente por ter sido proferida, no processo principal, decisão de improcedência  de que tenha sido in­ter­posto recurso com efeito suspensivo, artigo 124º/3. Por outro lado, é afirmado o princípio de que o tribunal não pode dar, atra­vés da concessão de uma pro­vi­dên­cia cau­telar, o que só à sentença final cumpre pro­­por­­cio­nar, se vier a dar provimento às pre­tensões deduzidas no processo principal. Não significa isto que uma providência cautelar não possa antecipar, a título pro­vi­só­rio, a produção do mesmo efeito que a decisão a proferir no processo principal poderá de­­terminar a título definitivo. É ponto assente de que essa antecipação tenha, na verdade, lugar a título pro­visório e, portanto, que ela possa caducar se, no processo principal, o juiz chegar a con­­clusões que sejam incompatíveis com a manutenção da situação provisoriamente cria­da. A títtulo exemplificativo, se o interessado pretender que, no processo principal, lhe seja reconhecido o direito a ser admitido num concurso, é possível que, a título cautelar, o tribunal determine a sua admissão provisória, permitindo-lhe participar do concurso em condições precárias, até que, no processo principal, se esclareça se lhe assiste ou não esse direito. O que a providência cautelar não pode fazer é antecipar, a título definitivo, a cons­ti­tui­ção de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode de­­terminar a título definitivo, em tais condições que essa situação já não possa ser alterada se, no pro­ces­so principal, o juiz chegar, a final, a con­­clusões que não consintam a sua manutenção. Por conseguinte, se o interessado pre­ten­der a ob­ten­ção de licença para demolir um imóvel ou de autorização para realizar uma manifestação, o tri­­­bu­nal não pode impor, como pro­vi­dên­cia cautelar, que a li­cença ou a autorização sejam concedidas.
Quanto à sumariedade, esta tem que ver com a cognição dos factos pela urgência do processo. O juiz basta-se pela mera existência de juizo de probabilidade sobre o direito invocado. Esta urgência limita o contraditório, o que em certas situações leva ao decretamento provisório imediato da providência, sem audição da parte contrária. No entanto, em momento posterior há lugar ao decretamento definitivo, dotado de contraditório. Esta regra patente no CPTA comunga do regime do 366º do CPC.

Num plano distinto da tutela cautelar sugem os processos urgentes, os quais merecem destaque. Sempre que o periculum in mora comprometa o efeito útil do processo principal e só possa ser evitado através da antecipação de um efeito que apenas pode ser determinado pela sentença a proferir no processo principal, será ne­ces­sá­rio ob­ter, com carácter de ur­gência, uma decisão sobre o mérito da questão colocada no processo principal. Isto assim sucede, pois a concessão da providência pode tornar o processo principal inútil. A decisão neste tipo de processos já não pertence, porém, ao domínio da tu­tela cau­te­lar, mas ao domínio da tu­tela final urgente, e só pode ter lugar se se preencherem os pressupostos de que de­pen­de a utilização de pro­cessos principais urgentes espe­cificamente instituídos na lei, artigos 97º e ss., como a in­timação para protecção de di­rei­tos, li­ber­da­des e ga­rantias, que inter­vém precisamente, artigo 109º/ 1, quan­do não seja possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma pro­vi­dência cautelar.


A título conclusivo, uma providência cautelar, que  vise acautelar interesses legalmente protegidos, para ser decretada tem de ser sempre necessária, adequada e proporcional. O juiz na sua prognose célere e fundamentada deve de ter em especial atenção os interesses afectados tanto no caso de haver procedência ou recusa, com vista a evitar que se constituam lesões ou situações mais gravosas do que aquelas que existiam anteriomente.


BIBLIOGRAFIA:
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Lições de Direito Administrativo, 14º Edição, Almedina 2015;
- VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009;
- VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa12ª Edição, Almedina, 2012.


João Luís Ferreira Nunes
nº 23461


O conceito de “Interesse” do art. 55º/1 a) CPTA: de facto ou derivado de uma situação jurídica?


O conceito de “Interesse” do art. 55º/1 a) CPTA: de facto ou derivado de uma situação jurídica?


1- breve introdução à legitimidade ativa:


A legitimidade processual ativa e passiva, enquanto pressuposto processual, surge em primeiro plano nos arts. 9º e 10º do código processo tribunais administrativos (CPTA), respectivamente, estando em análise a legitimidade ativa. Assim, quanto à legitimidade ativa, o art9º/1 acaba por ser de aplicação residual tendo em conta os critérios especiais presentes no CPTA, sendo neste caso abordado o art. 55º. Este último não estabelece que o autor é parte legítima quando “alegue ser parte numa relação material controvertida”, como o faz o art. 9º/1 numa perspectiva subjetivista, alargando a possibilidade a quem não seja titular mas tenha um interesse direto e pessoal. Segundo Aroso de Almeia[1], é interessado quem “alegue a titularidade de uma situação cuja conexão com o objecto da ação proposta o apresente em condições de nela figurar como autor”.


2- de facto ou derivado de uma situação jurídica:


A alínea a) do 55º CPTA, que é a que nos interessa neste momento, estabelece o interesse individual. Tem este de se basear num interesse jurídico (posição jurídica substantiva) ou pode fazê-lo basear-se apenas num interesse de facto, ampliando assim o âmbito da legitimidade? Torna-se, de facto, relevante a distinção tendo em conta a ligação, legal, que existe entre interesse e legitimidade, visto que para que esta última se verifique, tem de existir o dito interesse. Posto isto, saber em que é que este interesse se pode fundar e consequentemente em que é que a legitimidade se pode fundar é pertinente.




2.1- situação jurídica:


José Duarte Coimbra[2] avança com três situações possíveis para o significado de ter interesse: i) ter uma necessidade ii)- a verificação da situação pretendida resultar em algo de bom para o sujeito iii)- o sujeito possuir razões para querer a verificação da situação em causa. Analisando:
i)- traz a dificuldade de estabelecer-mos o que significa esta necessidade e ainda que esta possa ser ditada pelo autor, isto é, que seja o próprio a definir o que é uma necessidade;
ii)- à semelhança do ponto i), traria dificuldade de definição e subjetividade;
iii)- para este terceiro, isto é, para que se defenda que se tenha de basear num interesse jurídico, adianta-se que o conceito de legitimidade é dado pelo próprio direito, sendo assim um conceito “jurídico”, institucional, regulado, claro está, com base jurídica. Posto isto, para que haja uma relação sujeito-objecto, têm de existir razões de ordem jurídica que sustentem tal relação. Acresce que, a situação jurídica seria entendida em sentido amplo.
Nesta senda, Vasco Pereira da Silva[3][4], sendo que para o autor, o art. 55º/1 a) CPTA não vem dizer mais nem menos que o art. 9º/1 do mesm diploma, repetindo assim este último e conferindo um posição subjetivista. Vem deste modo abranger os sujeitos que atuem em defesa de interesses próprios e que para tal tenham de ser titulares de situações jurídicas.
Hauriou defendia também que o interesse devia derivar de uma situação jurídica.


2.2- interesse de facto:


Teríamos, na prática, uma utilidade ou vantagem para o autor[5]. Segundo Vieira de Andrade[6] os titulares de meros interesses de facto têm legitimidade para efeitos de impugnação, numa perspectiva claramente objectivista. Quem defende esta posição acaba por se basear, de certa forma, na queda do terceiro critério (que existia antes da anterior reforma do processo administrativo), a saber, a legitimidade. Acrescentava-se que para além de direto e pessoal, teria também de ser legítimo. Ora, caindo este critério, postula-se que o que está em causa não é permitir que o interesse seja ilegítimo, até porque tal não faria sentido, mas apenas que basta ser um interesse de facto. Em suma, não é necessário estar em causa um bem jurídico do autor. Nesta senda temos também Aroso de Almeida, que nos diz ser suficiente que o autor alegue ser titular de um interesse direto e pessoal e que foi lesado pelo ato que pretende impugnar. Na jurisprudência, neste sentido, temos por exemplo o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 9 de fevereiro de 2006, processo nº 00228/04.
De mencionar que Marcello Caetano[7] já contestava a recondução a um interesse jurídico, defendendo que interesse podia ser, inclusive, moral.


3- Conclusão:


Em breves palavras pretendo apenas dizer que, pelo exposto supra, inclino-me mais para uma visão subjetivista, isto é, da necessidade de o sujeito ter por base uma situação jurídica, até para que não haja um poder de decisão por parte do sujeito do que é ou não um interesse, ainda para mais com alguma margem de discricionariedade. Aliás, cria-se uma ideia vaga do que é um interesse, se aceitar-mos que pode ser de facto. 


André Madeira de Jesus, nº23403




[1] in Manual de Processo Administrativo, almedina, 2010
[2] inA «legitimidade» do Interesse na Legitimidade Ativa de Particulares para impugnação de atos administrativos”
[3] O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2009
[4] Para um Contencioso Administrativo dos Particulares, 1997
[5] Mário Esteves de Oliveira/ Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo Tribunais Administrativos comentado, almedina, 2004
[6] A Justiça Administrativa, almedina
[7] in O interesse como condição de legitimidade no recurso direto de anulação, in estudos de direito administrativo, 1974
Legitimidade processual e Interesse em agir

1. Introdução
Neste post iremos falar sobre dois pressupostos processuais relativos às partes no âmbito do contencioso administrativo e tributário, pressupostos esses que muitas vezes se confundem, sendo pois importante proceder à sua distinção como o máximo de clareza possível.
Numa primeira parte será, este tema, abordado de um poto de vista teórico e, numa segunda parte, procederemos a uma análise crítica de u acórdão referente à matéria em causa.

2. Parte Um

(i) Legitimidade Processual:
Um dos pressupostos processuais relativos às partes no âmbito do contencioso administrativo, consiste na denominada legitimidade processual.
 Podemos desde logo referir que a “legitimidade em sentido processual exprime uma relação entre um determinado sujeito e o objecto do processo. Não é um atributo do sujeito, em si mesmo, mas antes uma qualidade desse sujeito em relação a uma determinada acção com um certo objecto.”[1]
A Legitimidade Processual divide-se em: legitimidade processual activa e legitimidade processual passiva.
A legitimidade activa e passiva encontram-se desde logo reguladas na parte geral do CPTA no art.9º e 10º respectivamente[2].
De acordo com o nº1, do art.9º do CPTA, “Sem prejuízo do disposto no número seguinte no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida[3].”.
Na anterior versão do CPTA, o nº1 do art.9º estabelecia um critério geral, derrogado por um conjunto de solução previstas, nomeadamente, no antigo art. 40º, 55º, 57º, 68º e 73º, referentes a tipos especiais de acções. “Daqui resulta que o critério do artigo 9º, nº1, (…) é de aplicabilidade residual, circunscrita aos tipos de litígios cuja estrutura se aproxima do modelo do processo civil e que, estatisticamente, não são os mais representativos no processo administrativo, correspondendo apenas aos casos que não são objecto de um regime especial próprio: casos que, de modo também residual, seguem a forma da acção administrativa comum, à qual se sobrepõem as formas especiais do processo administrativo.”[4]
Ora com a reforma do CPTA, deixou, como sabemos, de haver a dualidade de acções no contencioso administrativo, deixando pois de haver uma acção especial e uma acção comum, passando sim, a existir a acção administrativa.
Não obstante as profundas alterações que sofreu o novo CPTA, do ponto de vista da legitimidade, nomeadamente activa, podemos dizer que se manteve esta relação de especialidade (com as devidas adaptações face à eliminação da antiga acção especial administrativa) de algumas normas referentes a determinados tipos de acções, como por exemplo[5], o art. 55º, relativo à legitimidade activa para impugnar um ato administrativo, relativamente ao nº1, do art.9º que, mantém este carácter mais “geral”.
No nº2, do art.9º CPTA encontramo-nos perante, como refere o Professor Mário Aroso de Almeida, “um fenómeno de extensão da legitimidade”[6]. Trata-se da denominada “Legitimidade para defesa de interesses difusos”[7].
Decorre pois deste nº2 que é atribuída legitimidade a todos os sujeitos nele descritos, “independentemente de ter interesse pessoal”[8], para propor uma acção “nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares”[9] para defesa dos valores enunciados neste mesmonº2 do art.9º.
No que toca à legitimidade passiva, cabe chamar à colação o art. 10º do CPTA que, no seu nº1, refere que a legitimidade passiva corresponde, em termos gerais, à “outra parte na relação material controvertida”[10],[11].


(ii) Interesse em agir
Outro dos pressupostos processuais relativos às partes é o Interesse em agir. Podemos definir este pressupostos como a indispensabilidade de o autor recorrer à tutela judiciária, a fim de satisfazer a sua pretensão.
Como refere o Professor Paulo Pimenta o “interesse em agir não se confunde com a legitimidade, porque o interesse directo em demandar e em contradizer (que caracteriza a legitimidade) refere-se ao objecto da lide, ao conteúdo material da pretensão, enquanto que o interesse em agir respeita ao interesse no próprio processo, no recurso à via judicial[12][13]. Ou seja, se o autor, por exemplo, não tiver necessidade efectiva de tutela judiciária, i.é., necessidade de recurso aos tribunais para satisfazer a sua pretensão, então nesse caso o autor não tem interesse em agir.
No âmbito do processo administrativo é clara a distinção entre interesse em agir e legitimidade processual, e tal é patenteado no art. 39º CPTA.

(iii) Conclusão Parte I
Em suma tratam-se de dois importantes pressupostos processuais tanto do contencioso administrativo como do Processo Civil e cuja distinção é de extrema importância.




Tiago Geada Seoane 

nº23196
Turma A
Subturma3

[1] Mealha, Esperança, “Personalidade Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas”, Publicações CEDIPRE Online-2, http://www.cedipre.fd.uc.pt, Coimbra, Novembro de 2010.
[2] Contrariamente ao que sucede no CPC (art.30ºCPC), e como refere o Professor Mário Aroso de Almeida, “o CPTA regula separadamente as questões da legitimidade activa e da legitimidade passiva”. Almeida, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2013.
[3] Sublinhado meu.
[4] Almeida, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2013.
[5] Cfr. também  os arts.68º e  77º-A.
[6] Almeida, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2013.
[7] Almeida, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2013.
[8] Art.9º, nº2 CPTA.
[9] Art.9º, nº2 CPTA..
[10] Art.10º, nº1 CPTA.
[11] Para uma análise mais desenvolvida sobre a legitimidade passiva, cfr. pp. 253 e ss. do “Manual de Processo Administrativo”, do Professor Mário Aroso de Almeida.
[12]Sublinhado meu.
[13] Pimenta, Paulo, “Processo Civil Declarativo”, Almedina, 2014.

PROVIDÊNCIAS CAUTELARES – CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

 

O processo cautelar tem como função assegurar a utilidade do processo principal. Isto acontece porque os processos principais são morosos, já que implicam uma cognição plena, o que obriga a que se leve mais tempo para se poder julgar bem. Podemos dizer que as providências cautelares têm uma finalidade preventiva, ou seja, visam assegurar que, no momento em que é proferida a decisão do pedido principal, essa sentença ainda é útil.

 

As providências cautelares têm três características principais: instrumentalidade (só há processo cautelar se houver processo principal), provisoriedade (não vai resolver de forma definitiva o litígio) e sumaridade (justifica-se pelo carácter provisório e urgente; nos processos cautelares não há uma cognição plena, existe apenas uma cognição sumária). Apesar do seu carácter urgente, as providências cautelares não se confundem com processos urgentes autónomos, estes são pedidos principais, ao contrário dos processos cautelares.

 

Como as providências cautelares se destinam a assegurar a utilidade da decisão do pedido principal, a sua concessão tem como requisito o perigo de inutilidade da sentença, mesmo que seja uma inutilidade meramente parcial, sendo que esse perigo resulta do decurso do tempo. O art.120º do CPTA revisto consagra, precisamente, este requisito ao exigir que exista um “fundado receio”. Para a avaliação da presença ou não deste perigo, o juiz tem de fazer um juízo de prognose, ou seja, tem de ponderar se, no caso de haver sentença de provimento, há, de facto, um receio de que essa sentença venha a ser inútil quer porque, entretanto, se consumou uma situação incompatível com a sentença, quer porque já se produziram danos que muito dificilmente serão reparados. Hoje, ao ser aceite a universalidade das providências, tanto releva o periculum in mora de infrutuosidade, perigo esse que justifica o decretamento de uma providência cautelar conservatória (procuram manter ou preservar uma situação de facto já existente), como o periculum in mora de retardamento, que justificará a adopção de uma providência antecipatória (evitar a ocorrência de um dano).

 

O juiz, para além do juízo de prognose ao nível da perigosidade, tem de fazer um outro juízo de prognose no qual avalia a probabilidade de procedência da acção principal, visto que a providência é instrumental relativamente ao pedido principal. É neste contexto que é dada relevância ao fumus boni iuris ou aparência do direito, visto que o juiz faz um mero juízo de probabilidade relativamente à existência ou não do direito que a parte pertende ver acautelado. Apesar da sua relevância, hoje, este não é o critério único de decisão quanto à concessão ou não da providência, a parte tem de comprovar o fundado receio e tem de apresentar a probabilidade de procedência da acção principal.

 

Para ser decretada uma providência cautelar, ela tem de ser necessária, adequada e proporcional. Tem de se limitar ao necessário para evitar a lesão (art.120º/3 CPTA), tem de ser adequada a evitar essa lesão e tem de ser decretada a providência menos gravosa, para os interesses contrários, dentro das adequadas.

 

Como foi supra referido, uma das características das providências cautelares é a provisoriedade. As providências cautelares são provisórias na medida em que não substituem a decisão do pedido principal e porque caducam com a sua execução.

Por outro lado, as providências têm carácter urgente, o que se manifesta na sumaridade do processo de decretamento da mesma. A urgência é exigida pelo periculum in mora. Visto que os processos principais exigem um conhecimento aprofundado da questão, eles podem ser bastante morosos o que, em alguns casos, põe em risco injustificado certos interesses legalmente protegidos. As providências cautelares procuram esbater este perigo, dando aos particulares uma protecção temporária até à decisão final do processo principal do qual a providência é instrumental. Como a utilidade da providência assenta na celeridade do seu decretamento, o juiz não pode conhecer aprofundadamente todos os apectos da questão em apreciação, por isso a sua cognição é sumária e não plena. Esta cognição é aceite porque está em causa a decisão de medidas temporárias, para a tomada de medidas definitivas o juiz tem de ter o máximo de informação possível, pelo que não se basta com uma cognição sumária. Deste modo, a decisão do juiz assenta em juízos de probabilidade relativamente à existência do direito que a parte pertente proteger, ao contrário do que se passa nos processos principais. Nestes, o juízo é de certeza. Apesar do processo ser sumário, procura-se assegurar o contraditório, embora seja um contraditório limitado, só em alguns casos de especial urgência é decretada a providência sem que haja lugar a contraditório, isto só se justifica, mais uma vez, pelo carácter temporário da providência. Esta última possibilidade não está prevista no CPTA, no entanto, o Professor Vieira de Andrade defende que devemos aplicar o art.366º/1 do CPC que dá ao juiz o poder-dever de decretar a providência sem que a contraparte seja ouvida, caso essa audiência coloque em grave risco o fim ou a eficácia da providência. Quanto à parte que pede o seu decretamento, ela tem de apresentar prova sumária dos fundamentos do pedido. O CPTA revisto acentua a sumaridade ao não admitir prova pericial, ao permitir que o juiz recuse os meios de prova que considere desnecessários ou dilatórios e ao determinar que não há adiamento por falta de testemunhas ou de mandatários (art.116º/3 a 6).

 

Quanto à instrumentalidade, cabe dizer que os processos cautelares em Portugal dependem sempre de uma causa principal, sendo que este pedido tem por objecto uma decisão de mérito. Esta característica é, desde logo, perceptível ao nível da legitimidade processual, já que só tem legitimidade para pedir uma providência cautelar quem tenha legitimidade para intentar o pedido principal (art.112º). Por outro lado, esta característica também é evidente no art.113º, já que este determina que, embora o processo cautelar seja tramitado autonomamente, ele está sempre na dependência da causa que é objecto do processo principal. O processo cautelar pode ser intentado antes do pedido principal ou juntamente com a petição inicial do processo principal ou, ainda, na pendência do pedido principal. Há diversas outras normas que acentuam esta intrumentalidade, como é o caso, por exemplo, do art.114º/3 quando diz que o requerimento será rejeitado no caso de nele não constar a identificação concreta do pedido principal a que se reporta. Ao nível das providências cautelares existe o princípio da reversibilidade da providência que está intimamente ligado à característica da instrumentalidade. Segundo este princípio, não pode haver uma antecipação da decisão de mérito em termos irreversíveis quando esteja em causa a concessão de uma providência cautelar. A decisão de mérito irreversível só pode ocorrer no âmbito do pedido principal, visto que o processo cautelar é um processo instrumental, sumário e provisório. Só deste modo se justifica que a decisão assente em juízos de mera probabilidade e não de certeza.

 

Em suma, o processo cautelar trata-se de um meio preventivo que visa acautelar interesses legalmente protegidos que, na falta de uma medida tomada de forma célere, correm o risco de serem afectados de forma irreversível. Contudo, isto não quer dizer que toda e qualquer providência cautelar, por mais que seja meramente temporária, seja justificada, trata-se de uma forma de contrabalançar interesses opostos, ou seja, o juiz tem sempre de pesar os interesses em jogo e, caso decida conceder a providência, tem de garantir que as consequências do seu decretamento não são demasiado gravosas para a parte com interesses contrários.

Matilde da Sela, nº23416