sábado, 31 de outubro de 2015


REVISÃO DO CPTA – DESAPARECIMENTO DA BIPARTIÇÃO ENTRE ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM E ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL

O Decreto-lei nº214-G/2015, publicado no dia dois de Outubro, procedeu à revisão e republicação do CPTA e do ETAF. Estes dois diplomas não foram substituídos por novos diplomas, sofreram apenas uma revisão, pelo que, se mantêm os traços estruturantes existentes desde a reforma de 2002/2004. A sua entrada em vigor está prevista para o próximo dia 2 de Dezembro, sendo aplicáveis apenas aos processos iniciados a partir dessa data.

Esta alteração legislativa surge no seguimento da entrada em vigor do novo CPA e do novo CPC, já que estas alterações evidenciaram a necessidade de harmonização entre os vários diplomas. Por outro lado, os novos diplomas introduziram alterações que faziam com que certos aspectos do regime do CPTA e, mesmo, do ETAF deixassem de fazer sentido no panorama actual. Foi, precisamente, neste contexto que surge a unificação dos meios processuais, sendo essa uma das alterações mais importantes introduzidas pelo novo CPTA. Para além destes motivos, grande parte da doutrina criticava a visão dualista do contencioso administrativo.

Esta alteração foi no sentido da unificação dos meios processuais numa única forma, a acção administrativa, ou seja, deixa de existir a distinção entre acção administrativa comum e a acção administrativa especial. Tal unificação pretende alcançar um maior grau de simplificação do procedimento administrativo e deve-se, em grande medida, a uma tentativa de harmonização com o novo CPC.

Breve referência às figuras da acção administrativa comum e da acção administrativa especial:

a)      Acção Administrativa Especial – encontra-se regulada nos arts 46º a 96º do CPTA ainda em vigor e prende-se com o exercício de poderes de autoridade pela Administração, sendo este o principal critério de distinção das duas figuras; resulta do art.46º que este tipo de acção tem por objecto a impugnação de um acto administrativo (arts. 50º a 65º), a condenação à prática de um acto devido (arts.66º a 71º), a impugnação de normas ou a declaração de ilegalidade por omissão (art.72º a 77º)

b)      Acção Administrativa Comum – está regulada nos art.37º a 45º do CPTA; o âmbito de aplicação desta figura é delimitado negativamente, ou seja, as acções devem ser propostas sob a forma de acção administrativa comum quando não possam ser objecto de acção administrativa especial, quer isto dizer que a acção administrativa comum é subsidiária face à acção administrativa especial, “resulta do art.º 37.º, n.º 1 do CPTA seguem a forma da acção administrativa comum os processos que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial.  E no n.º 2 desta norma são enumerados, em termos exemplificativos, os pedidos que podem ser formulados lançando mão deste meio processual, descortinando-se aí, entre outras, as “antigas” acções para reconhecimento de direitos, als. a) e b), as acções sobre contratos, al. h) e as acções de responsabilidade civil, al. f). “…o objecto da acção comum é, em relação à acção da Administração Pública “qualquer actuação” que não consista na prática de actos administrativos (ou na edição de normas administrativas); o âmbito da acção administrativa comum coincide, insiste-se, com a área ocupada pelas relações administrativas paritárias, em que a Administração não surge investida de poderes públicos de autoridade.” (Acórdão TCAN_00499/10.7BEVIS de 11-01-2013)

O CPTA Revisto – A Acção Administrativa

O novo CPTA, no seu art.37º/1, estabelece que seguem a forma de acção administrativa todos os processos que tenham por objecto litígios que entram no âmbito da jurisdição Administrativa e que não tenham regulação especial resultante do CPTA ou de legislação avulsa, desaparecendo, assim, a distinção entre acção administrativa comum e acção administrativa especial. Esta unificação poderia levar-nos a pensar que, com a revisão do CPTA, a acção administrativa deixa de atender às especificidades do objecto da acção, contudo, não é isto que acontece. A revisão não deixou de estabelecer regras especiais tendo em conta o objecto das acções. Essas normas seguem, em larga medida, a tradição da acção administrativa especial. Podemos constatar isto quando olhamos para arts 50.º a 65.º que dizem respeito à impugnação de actos administrativos, para os arts 66º a 71º, referentes à condenação à prática de actos administrativos, para os arts 72º a 76º,relativamente à impugnação de normas e para o art.77º, relativo à condenação à emissão de normas.

Apesar da manutenção de certos aspectos, resulta claramente do art.37º a unificação dos meios processuais, já que todas acções que preencham a forma de acção administrativa serão sujeitas ao mesmo regime, regime esse presente no Capítulo III do Título II do CPTA. Contrariamente ao que se passa com o CPTA em vigência, as acções administrativas referentes, por exemplo, à responsabilidade civil do Estado (hoje, objecto de acção administrativa comum – art.37º/2, f) CPTA em vigor) e as acções referentes à impugnação de um acto administrativo (hoje, sujeitas à forma de acção administrativa especial – art.46º/1, a) CPTA em vigor) passarão a estar sujeitas à mesma tramitação. Esta igualdade de tratamento resulta do art.37º/1, a) e k) do CPTA revisto.

Por outro lado, em matéria de contratação pública, o decurso das acções será mais simples e prático, uma vez que, deixará de acontecer o que acontece agora, em que este tipo de matérias tanto pode dar lugar a uma acção administrativa especial, quando se pretenda, por exemplo, afectar um acto pré-contratual, ou a uma acção administrativa comum, quando esteja em causa a validade do próprio contrato. Com a revisão do CPTA, tanto um caso como o outro será tratado segundo o mesmo procedimento.

Em termos de tramitação, as grandes mudanças estão ao nível das acções cuja matéria cabia no âmbito da acção administrativa comum. A este tipo de acções era aplicável o regime do CPC, tal como resulta da remissão do art.42º do CPTA em vigor. Com o CPTA revisto, apesar do regime supletivo continuar a ser o do CPC, estas acções têm a sua tramitação regulada expressamente no CPTA (arts. 78º e ss). Esta alteração faz com que todas acções passem a estar sujeitas aos mesmos pressupostos processuais, o que facilita e clarifica o processo administrativo.

Podemos afirmar que as alterações introduzidas no CPTA com a unificação dos meios processuais salientaram a ideia de que, na prática, a acção administrativa especial é a acção comum, no sentido em que se trata do “meio processual do Contencioso Administrativo, através do qual são tuteláveis alguns dos mais importantes direitos subjectivos das relações jurídicas administrativas” (Vasco Pereira da Silva - O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição) , visto que passa a existir um tratamento igual para as acções, independentemente de estar ou não em causa o exercício de poderes de autoridade, sendo que esse regime comum mantém, em grande medida, a tradição da acção administrativa especial.
Matilde Tavares Gravato Martins da Sela, nº23416

Interesses Difusos e Legitimidade Ativa


Como contributo, decidi debruçar-me na análise do pressuposto processual da legitimidade ativa para proteção e/ou tutela de interesses difusos, operada quer através da ação popular, quer através da ação pública. Começo então por iniciar a exposição com uma breve referência aos interesses difusos, sendo que estes constituem o cerne da questão e a própria fundamentação da legitimidade objeto de estudo, referindo ainda a importância que estes detêm nas sociedades modernas. Posteriormente irei centrar-me na análise do regime do artigo 9º nº 2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA).

I.                     Interesses Difusos

Por influência do fenómeno de produção de massas, bem como do consumo e a consequente transmissão e distribuição de produtos e informação, e ainda o risco inerente a estas atividades, os interesses difusos têm vindo a ganhar uma importância crescente na sociedade. A evolução do contencioso administrativo nesta área é notória: começando por um “processo do ato”, instituído pela conceção objetivista, atualmente absolutamente abandonada em detrimento da tutela dos direitos subjetivos dos particulares, o contencioso administrativo rapidamente sentiu a necessidade de se adaptar aos novos interesses que com a industrialização e capitalização foram surgindo. Esta adaptação, passa, em muitos países, quer pela participação a titulo de colaboração com a Administração Pública, sendo que na verdade se tratam de interesses públicos que por esta são prosseguidos, quer pela participação por uso do contraditório e/ou “participação defesa”, procurando jurisdicionalmente fazer valer esses interesses, face a atuações e/ou omissões da própria Administração Pública. É neste último ponto que se centra a exposição que se segue.
Os interesses difusos, por oposição aos interesses subjetivos que apenas detém uma dimensão individual, extravasam desta, operando sobretudo a nível supra- individual. São, portanto, interesses pertencentes à comunidade em geral, ou no mínimo, a um grupo alargado de indivíduos que se encontram conectados por circunstâncias de facto, e que promovem a proteção e/ou tutela de um determinado bem público. São, portanto, interesses ontologicamente públicos, dado o seu próprio objeto, e que se afirmam em virtude da comunitarização e solidariedade entre os indivíduos da comunidade em causa. Têm, portanto, como características essenciais a indeterminação dos sujeitos e a indivisibilidade dos bens em causa.
Quer a doutrina, quer a própria jurisprudência, e apesar de a lei não o fazer, salvo em casos raros[1], distinguem entre interesses difusos stricto sensu, interesses coletivos e interesses individuais homogéneos.
O critério de distinção da principal dicotomia (interesses difusos stricto sensu/ interesses coletivos), não são os titulares desses direitos, que mantêm o seu cariz indeterminado e homogéneo, mas o seu objeto, sendo que enquanto os primeiros assentam em bens indivisíveis, designadamente o meio ambiente, a saúde pública, entre outros, os interesses coletivos incorporam uma pluralidade de interesses individuais que são suscetíveis de ser individualizados em virtude da exclusividade que representam para os seus titulares. No que toca aos interesses individuais homogéneos, estes dizem respeito aos interesses e/ou direitos subjetivos dos particulares que enquanto membros da comunidade, e tal como anteriormente referido, partilham também interesses difusos.
Desta forma, encontramos três categorias essenciais de interesses que, no seio de um Estado de Direito, têm de estar necessariamente assegurados. Relativamente aos interesses individuais homogéneos, bem como aos interesses coletivos, e por serem interesses eminentemente individuais e/ou subjetivos, a sua tutela é assegurada por via da legitimidade individual do artigo 9º nº 1 do CPTA. No que toca aos interesses difusos, a sua proteção é efetivada através da legitimidade difusa que é estabelecida no número 2 do artigo referido. Passemos então à analise desta.

II.                   Análise do regime instituído no artigo 9º nº 2 do CPTA

Um dos pressupostos processuais essenciais do processo administrativo é a legitimidade processual. Não sendo exclusivo deste ramo, as normas do Código de Processo Civil (CPC) são-lhe subsidiariamente aplicáveis. Contudo, é possível encontrar, ainda que formalmente, diferenças significativas a nível da legitimidade, entre estes dois ramos de Direito:  podemos desde já identificar a separação operada no CPTA entre legitimidade ativa e legitimidade passiva (artigos 9º e 10º CPTA), por contraposição ao artigo 26º do CPC, que trata no mesmo artigo destas duas perspetivas. Para além disso, e sendo certo que o artigo 9º do CPTA constitui uma clausula geral de legitimidade ativa, esta tem uma aplicação residual, sendo muitas vezes derrogada por critérios especiais. Assim sendo, a clausula em questão aplica-se essencialmente a situações, que embora próximas do processo civil, daí a semelhança formal das normas, não são as mais abundantes no contencioso administrativo.
A legitimidade processual afere-se em função da relação concreta que, por alegação do autor, se estabelece entre um determinado individuo e o objeto da ação. Assim sendo não se reporta em abstrato à pessoa do autor e/ou do demandado, mas procura saber se um determinado sujeito pode, no caso concreto, ser parte na ação. Encontramos, neste sentido, o artigo 9º nº1 do CPTA respeitante à legitimidade ativa singular, e o 9º nº2 respeitante à legitimidade ativa plural para proteção de interesses difusos. Este último artigo, procede, portanto, a uma extensão da legitimidade referida no nº1 quer a favor dos cidadãos, enquanto membros de uma determinada comunidade (ação popular), quer a favor de outras entidades públicas, nomeadamente associações e fundações, autarquias locais e o próprio Ministério Público (ação pública). Desta forma, têm essas entidades legitimidade para propor e intervir em ações que tenham como objetivo primordial, e tal como prescreve o artigo em análise, a defesa de interesses difusos, como a saúde publica, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida e património.[2] Bens essenciais que merecem uma maximização da sua tutela, o que justifica o facto de o legislador os ter expressamente consagrado. De notar que esta intervenção por parte das entidades acima referidas prescinde do “interesse pessoal” na demanda, ao contrário do que sucede na legitimidade ativa singular, destinada à proteção e tutela de direitos subjetivos e interesses particulares onde se exige a existência de um interesse processual, sendo este um dos pressupostos essenciais do processo relativo às partes.
No que diz respeito à ação popular, esta constitui na realidade um direito constitucionalmente garantido, nomeadamente no artigo 52º nº1 da lei fundamental. A referência no artigo 9º nº2 à participação “nos termos previstos na lei” remete-nos para a lei 83/95 de 31 de Agosto que para além de elencar o direito de ação popular dos cidadãos, enquanto membros da comunidade e segundo os seus direitos de participação civil e politica, refere também os procedimentos a seguir nesta modalidade de tutela de interesses difusos, designadamente nos artigos 13º e seguintes. Além disso, esta lei enumera ainda os requisitos que quer as associações, quer as fundações têm de ter para proceder à participação, por via do contraditório, na defesa destes interesses, designadamente no seu artigo 3º. Para além da personalidade jurídica, a proteção destes interesses tem de estar circunscrita às suas atribuições. Na mesma lógica se encontra a participação das autarquias locais, que apesar de terem legitimidade para proteção dos interesses enunciados, esta circunscreve-se ao seu âmbito territorial de atuação. São, portanto, partes legitimas, para efeitos de tutela de interesses difusos, na estrita medida em que a violação e/ou lesão destes se verifique no seu âmbito de atuação. Mais extensa é a legitimidade do Ministério Público para a proteção dos interesses e causa, já que não se encontra limitado por razões de territorialidade e atribuições. De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, a ação pública, levada a cabo essencialmente pelo Ministério Público, é complementar para a realização da ordem jurídica subjetiva. É de sublinhar que a atuação do Ministério Público nesta sede, encontra-se do lado ativo da demanda, ou seja, trata da legitimidade para propor e/ou intervir em ações, não se confundido com o papel que a este cabe, em virtude do patrocínio judiciário, como representante do Estado.



[1] A lei 24/96 de 31 de Julho, cuja última alteração data de 2014, faz referencia a estas categorias de interesses, designadamente nos seus artigos 3º al. f) a respeito dos direitos do consumidor, e 13º al. c), no que toca à legitimidade para propor ações que façam valer os interesses referidos.
[2] Note-se, que a própria lei 83/95 de 31 de Agosto respeitante à ação popular, refere no seu artigo 1º/1 a categoria de interesses protegidos para efeito da presente lei, indo estes ao encontro dos referidos no artigo 9º nº 2 do CPTA. 

A inclusão das situações de "via de facto" no âmbito da jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais


A publicação que ora apresento versa sobre as situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime. É uma matéria que antes da revisão do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF), operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015 de 2 de Outubro, estava atribuída aos tribunais judiciais e que, depois desta reforma, passou para o âmbito de jurisdição daqueles tribunais. Será interessante perceber porquê que houve essa alteração.

A revisão do ETAF trouxe consigo algumas alterações, nomeadamente no âmbito da sua jurisdição.
Matérias que antes eram dirimidas pelos tribunais comuns passaram para a jurisdição dos tribunais administrativos. Isto é possível porque tanto a doutrina como a jurisprudência entendem que o art.º 212º/3 da Lei Fundamental não consagra uma reserva material absoluta de jurisdição em favor dos tribunais administrativos e fiscais. Mas há uma questão prévia: não deve valer para a matéria administrativa e fiscal a previsão do artigo 211º/1 da Constituição, segundo a qual os tribunais judiciais “exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”. A matéria administrativa e fiscal está, desde logo, atribuída à ordem jurisdicional administrativa e fiscal pela própria Constituição, no artigo 212º/3. Numa palavra, o preceito constitucional visa apenas consagrar os tribunais administrativos como os tribunais comuns em matéria administrativa.
No artigo 1º, parte final do ETAF revisto foi substituída a expressão “litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” por “litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4º deste Estatuto”. No fundo, o legislador quis circunscrever o âmbito de aplicação às situações elencadas no art.º 4º. Todavia, também este artigo foi revisto: não obstante ter sido eliminado o advérbio “nomeadamente” do corpo no nº 1, o legislador ao introduzir a alínea o) [1] cria uma verdadeira cláusula aberta que permite abarcar quaisquer outras relações jurídicas administrativas e fiscais.
O critério de delimitação do âmbito material desta jurisdição assenta numa lógica de especialização: trata-se de reservar para uma jurisdição própria a incumbência de administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais [2].
No sentido de fazer corresponder o âmbito de jurisdição aos litígios de natureza administrativa e fiscal que por ele devam ser abrangidos, estendeu-se esse âmbito às acções de condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime (art.º 4º/1-i) do ETAF revisto). Estamos, assim, perante um alargamento do âmbito da jurisdição administrativa.
Nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE, «entende-se por “via de facto” uma acção material da Administração, instantânea ou duradoura, que, sem base legal, ofenda de forma grave e manifesta uma liberdade fundamental ou um direito de propriedade – quer consista no exercício de uma actividade ilícita ou na execução ilícita de um acto» [3]. Da actuação da Administração podemos enquadrar alguns pressupostos típicos da via de facto, nomeadamente: (i) quando a Administração apodera-se da propriedade privada sem que se verifique previamente o acto da declaração de utilidade pública; (ii) a Administração apodera-se da propriedade dos particulares após a declaração de nulidade ou inexistência ou anulação do acto da declaração de utilidade pública; (iii) o acto da declaração de utilidade pública executado padece de vícios graves que seja manifesta a sua inexistência ou a sua nulidade (ex.: a incompetência do órgão que emitiu o acto da declaração de utilidade pública); (iv) apesar do acto da declaração de utilidade pública ser regular, a actividade material de execução excede quantitativa ou qualitativamente o âmbito coberto por esse acto (ex.: a Administração apodera-se de um bem, ou de uma parcela de terreno do particular, que não é objecto da expropriação [4]).
A atribuição destas matérias aos tribunais judiciais justificava-se por razões históricas: por um lado entendia-se que estes tribunais tinham meios mais adequados para a protecção dos particulares contra “agressões” ou abusos por parte da Administração; por outro lado, a protecção jurisdicional contra tais agressões estava associada à ideia dos tribunais judiciais como guardiões da propriedade e da liberdade. Porém, nos dias de hoje, esta ideia está ultrapassada.
Temos uma vastíssima jurisprudência que defende, ou defendia, que este tipo de situações devem, ou deviam, ser dirimidas nos tribunais judiciais [5].
Andou bem o legislador ao consagrar expressamente que estas matérias devem caber no âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais. Mas mesmo que não tivéssemos a alínea i) do número 1 do art.º 4º do ETAF revisto, podíamos e devíamos considerar as alíneas d) e f) do número 2 do art.º 37º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA) em vigor [6]. No CPTA revisto, acompanhando a alteração introduzida pelo ETAF, as situações de via de facto entram expressamente através da alínea i) do número 1 do art.º 37º.
Os argumentos que eram utilizados para defender que estas matérias deviam caber aos tribunais judiciais estão hoje ultrapassados. Senão vejamos: se antes invocava-se a longa tradição histórica, porque os tribunais judiciais eram os “guardiões” naturais da defesa das liberdades individuais e da propriedade privada dos cidadãos, hoje vemos no juiz administrativo, como qualquer outro juiz, um defensor dos direitos fundamentais, como consta logo do art.º 4º/1-a) do ETAF; se antes defendia-se que só nos tribunais judiciais o particular poderia accionar todos os meios necessários para evitar a lesão de um direito, o processo administrativo permite hoje aos interessados o requerimento de quaisquer meios cautelares necessários e adequados para assegurar a utilidade da sentença a proferir; se antes entendia-se que a Administração, ao actuar fora das habilitações que lhe são legalmente atribuídas [7], actua como um particular - tratando-se pois de um litígio atinente a uma relação de direito privado - hoje defende-se (embora haja doutrina discordante) que esta é uma relação jurídica administrativa, porque pese embora não haja ius imperi por parte da Administração, quem actua não deixa de ser um ente público (nunca estamos perante um particular, mesmo que se entenda que a expropriação não é, numa determinada situação, uma actuação de gestão pública). Pode afirmar-se que a jurisdição administrativa está hoje preparada para fazer face às exigências de protecção dos particulares contra a actuação da Administração, na medida em que também está prevista a “intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, como meio urgente especialmente apropriado para evitar as situações acima explanadas (cfr. art.ºs 109º e ss. do CPTA em vigor e do CPTA revisto).
Enfim, começava a tornar-se difícil justificar as constantes posições jurisprudenciais que iam no sentido de os tribunais administrativos se julgarem incompetentes para conhecer uma acção que fosse proposta contra a Administração nas tradicionais situações de via de facto. Agora, com a norma expressa do art.º 4º/1-i) ETAF revisto, essa questão foi definitivamente resolvida pelo legislador.

[1] Art. 4º/1-o) ETAF: Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.
[2] Segundo VIEIRA DE ANDRADE, são as relações de Direito Administrativo e Fiscal, que se regem por normas de Direito Administrativo e Fiscal.
[3] Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, «A “via de facto” perante o juiz administrativo», CJA, nº104, Março/Abril, 2014, pp. 38 e segs., anotação ao Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 22/11/2012, P. 5515/09.
[4] A expropriação pode ser definida como toda a intervenção lícita da Administração na esfera jurídica dos particulares com o objectivo de fazer extinguir direitos patrimoniais privados para a prossecução de fins de interesse público.
[5] Vejamos, sumariamente: «Os tribunais administrativos são absolutamente incompetentes quer para fixar a indemnização devida pela expropriação de parcelas de terreno, quer para garantir os direitos dos particulares em situações de “via de facto”» - Ac. TCA Sul de 22-11-2012, P. 5515/09; «Quando a Administração actue pela “via de facto”, pela política do facto consumado, sem se fazer revestir da sua autoridade – traduzida na ilegalidade dos procedimentos utilizados com vista aos seu intuitos –, não se justifica colocá-la numa posição de superioridade ou supremacia, mas antes numa posição idêntica à de qualquer particular, visto ter sido ela própria a despojar-se desses seus poderes e prerrogativas que lhe permitiriam impor-se a este.» – Ac. STJ de 05-02-2015, P. 742/10.TBSJM.P1.S1. Para defender esta posição, entendeu-se a Administração quando actua para além do que estava autorizada, designadamente expropriando parcelas de terreno que excedam qualitativa ou quantitativamente a declaração de utilidade pública, não estamos perante um acto de gestão pública; logo, a Administração não actua com ius imperi, mas sim como se de um particular se tratasse. Por conseguinte, estas matérias deviam ser dirimidas nos tribunais judiciais.
[6] O particular pode intentar uma acção de condenação da Administração à adopção das condutas necessárias ao restabelecimento do direito violado (alínea d)) ou uma acção de condenação da Administração à reparação dos danos causados pela actuação por “via de facto” – responsabilidade civil (alínea f)).
[7] Como quando um órgão da Administração, num processo expropriativo, mesmo quando haja uma declaração de utilidade pública, exceda qualitativa ou quantitativamente o âmbito dessa declaração.
Gonçalo Jardim, nº 23405

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O Âmbito da Jurisdição Administrativa (Artigo 4º do ETAF)[1] – Análise de Acórdão

O Âmbito da Jurisdição Administrativa (Artigo 4º do ETAF)[1] – Análise de Acórdão

Introdução
No seio da ordem jurídica portuguesa, encontramos dois grupos de tribunais, a saber: os Tribunais Judiciais e os Tribunais Administrativos. Debruçando-se por litígios díspares, os Tribunais Judicias durante algum tempo lideraram os litígios, o que após a Reforma de 2002/2004[2] e mais atualmente a Reforma de 2015 gerou alterações ao anterior panorama. Neste sentido, foram sendo atribuídas mais matérias à jurisdição administrativa o que alargou o seu âmbito de aplicação.
No presente trabalho será feita uma análise das matérias que cabem à jurisdição administrativa à luz do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais[3] revisto, com incidência sobre algumas alíneas do mesmo (ETAF 2015), para que se trace a distinção, entre este e o ETAF ainda em vigor (Lei n.º22/2002 de 22 de Fevereiro). Tendo por base a análise de um Acórdão do Tribunal de Conflitos correspondente ao processo 053/14[4].

Análise do âmbito da jurisdição administrativa
No ordenamento jurídico português, verificam-se de facto duas jurisdições. Acontece que hoje tudo se prende com o facto de o Direito Administrativo não ser mais “especial” em relação ao Direito Civil, regendo-se assim por normas autónomas e por figuras próprias. Esta autonomia do Direito Administrativo tem vindo a ser alcançada face às grandes reformas prosseguidas, o que fez com que houvesse uma delimitação entre direito administrativo (o que cabe na jurisdição administrativa) e as restantes matérias que caberão aos tribunais judiciais, tal como enuncia o artigo 211.º nº1 da Constituição da República Portuguesa (CRP)[5]. Na opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva, há, desta forma, uma maior especialização dos juízes em causa em cada litígio o que repercute vantagens para os particulares, dado que estes irão ver os seus problemas resolvidos com a maior subtileza possível. Contudo, não estamos perante um critério material objetivo visto que o âmbito da justiça administrativa não se basta com o direito administrativo, o que se torna insuficiente. Neste sentido, o critério utilizado para esta delimitação será o critério constitucional apontado pelo artigo 212.º nº3 CRP, correspondente  aos “litígios emergentes de relações jurídico-administrativas[6]”. Critério este que deverá ser visto como, contendo um núcleo essencial, cabendo ao legislador ordinário a definição concreta dos litígios da jurisdição administrativa sem defraudar e adulterar esse núcleo essencial.
Em voga, o conceito constitucional ainda que preveja no seu âmbito as relações jurídicas entre particulares e entidades administrativas e também entre sujeitos administrativos suscita a questão, a saber “Quando é que estamos perante uma situação jurídica administrativa?”.
Esta matéria encontra-se regulada detalhadamente nos artigos 1º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), quer no Estatuto ainda em vigor quer no Estatuto revisto, 2015[7]. Iniciando a comparação entre ambos os Estatutos, veja-se primeiramente o nº1 do artigo 1º que perde o seu carácter de cláusula geral (afasta-se do texto do artigo 212º nº da CRP), quando remete para os “litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4º”. O artigo procurou tornar-se mais claro, abrangente, e por isso, mais eficaz a delimitação pelo legislador ordinário da esfera de competências dos tribunais administrativos, o que vai ao encontro do que referi anteriormente face à competência do legislador em determinar os litígios da jurisdição administrativa com a ressalva da proteção do núcleo essencial (o critério constitucional da “relação jurídica administrativa”). Esta delimitação verifica-se fortemente no artigo 4º, visto que este é significativamente alterado. A alteração é explicada com a intenção de clarificação dos “termos da relação que se estabelece entre o artigo 1º e o artigo 4º, no que respeita à determinação do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal” e a intenção de “fazer corresponder o âmbito da jurisdição aos litígios de natureza administrativa e fiscal que por ela são abrangidos” [8].
 No que respeita ao artigo 4º, é nele suprimido o advérbio “nomeadamente”, o que não altera o elenco do seu nº1 pois este continua a ser um elenco aberto/vasto. Ou seja, por um lado as alíneas do nº1 parecem manter subjacente a ideia de relação jurídica administrativa (o que determina a relação com artigo 212º nº3 da CPR), e por outro, houve uma recuperação de litígios que estavam excluídos do seu âmbito de aplicação como as ações de condenação à remoção de situações constituídas pela Administração em via de facto, tal como as impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas e a fiscalização de atos administrativos do Presidente do STJ, do Conselho Superior e do seu Presidente[9].
Analisados em traços gerais os artigos 1º e 4º, face às suas novas redações, cumpre agora elencar quais as matérias incluídas e as excluídas do âmbito da jurisdição administrativa, a luz do artigo 4º ETAF revisto. Veja-se, então, algumas alíneas do nº1 do artigo 4º -Delimitação positiva-:

  •    Alínea a): particulariza que a tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos é a que se erige no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais, refletindo o critério constitucional do artigo 212º nº3 CRP.

  •       Alínea b): mantém a sua previsão inicial da “fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal", mas suprime a segunda parte da alínea. A referência a normas e demais atos jurídicos emanados, por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo faz a destrinça entre as normas e atos jurídicos não regulados pelo Direito Administrativo, e portanto não abrangidos pela jurisdição administrativa. Quanto ao excerto suprimido[10], passa a ter assento na letra abrangente da nova redação da alínea e) do nº1 do artigo 4º.

  •         Alíneas c), d): inclui a fiscalização da legalidade de atos administrativos (incluindo normativos) praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública (alínea c); específica a possibilidade de fiscalização da legalidade de atuações materialmente administrativas de sujeitos que não sejam formalmente administrativos e, portanto, desde logo entes privados (alínea d)). A alínea d) sobrepõe-se ao texto da alínea c) mas extravasa o seu âmbito subjetivo.

  •         Alínea e): consagra a delimitação da competência dos tribunais administrativos em matéria de contratos (o que no ETAF ainda em vigor está dividido em várias alíneas). A nova redação, refere-se a: validade de atos pré-contratuais; interpretação, validade e execução de contratos administrativos; interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública (veja-se a referência ao Código dos Contratos Públicos[11]), por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.

  •         Alíneas f), g), h): destas alíneas resulta que os tribunais administrativos são competentes para dirigir litígios que invoquem o Regime da Responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas e passou a integrar-se ainda o termo “trabalhadores” que parece incluir na jurisdição administrativa as situações de responsabilidade dos trabalhadores de entidades públicas com relações de emprego abrangidas no Código do Trabalho (com a ressalva de que a alínea c), exclui, ainda que implicitamente, os contratos de trabalho e a alínea b) do nº4 do artigo 4º exclui, os mesmos, explicitamente).

(…)


  •         Alínea o): (alínea acrescentada, pelo que não consta do ETAF ainda em vigor). Convoca-se, em geral “as relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores”. Esta norma assume-se como uma norma residual, omnicompreensiva dos litígios jurídico-administrativos não enunciados no nº1 do artigo 4º.

  •         Nº2: (o nº2 do artigo 4º, foi um número adicionado ao artigo, visto que não consta do ETAF em vigor). Este número consubstancia uma delimitação positiva da jurisdição administrativa, e adicionou a esta a competência para dirigir litígios onde são demandadas conjuntamente entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos de solidariedade, como exemplo o contrato de seguro de responsabilidade. Mais uma vez, se verifica o emancipado alcance da Jurisdição Administrativa, o que doravante irá proporcionar maior segurança dos particulares nos litígios.

Salientadas algumas matérias (visto que a análise pendeu apenas sobre algumas alíneas) que cabem à jurisdição dos tribunais administrativos, procede-se agora à delimitação negativa do âmbito da jurisdição administrativa, leia-se os nºs 3 e 4 do artigo 4º ETAF. A delimitação, em ambos os artigos, mantém o seu carácter exemplificativo, com a diferença de que esta delimitação está agora no nº 3 e que o nº 4 mais não é do que uma redução àquelas que são as situações previstas nas alíneas a) e d) do nº3 do ETAF em vigor[12].
No nº3, o advérbio “nomeadamente” mantém em aberto a identificação de outros possíveis litígios que não se inscrevam na esfera da jurisdição administrativa, quer por natureza ou por opção legislativa. Quanto ao nº4, a alínea b), contém na primeira parte uma cláusula de exclusão (exclusão da “apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público”), e na segunda parte uma cláusula de inclusão (“com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público”). É de frisar, como ponto conclusivo da delimitação negativa do ETAF, que entre os atos excluídos da jurisdição administrativa e fiscal figuram os “atos praticados no exercício da função política e legislativa” (nº 3, alínea a)).

Introdução e Contextualização do Acórdão[13]
Em matéria de factos, estamos perante o autor, A, que demanda contra a ré, B, uma ação declarativa de condenação com vista à condenação da demandada no pagamento de uma indemnização. Fundamenta-se a responsabilidade da ré, visto que esta não tomou as precauções necessárias para evitar a invasão de animais na autoestrada (colocando em perigo quem aí circula) o que causou um acidente de viação do qual resultaram prejuízos para o autor.
Note-se que a ação foi intentada no TAF de Penafiel (ou seja, em Tribunal Administrativo), e que este se declarou incompetente em razão da matéria e absolvendo o réu da instância. Seguindo posteriormente para os tribunais judiciais, tanto o Tribunal Judicial de Amarante como o Tribunal de Relação do Porto decidiram pela improcedência do processo mantendo-se a decisão recorrida. Atendendo em particular ao disposto no artigo 212º nº3 da CRP bem como ao artigo 1º nº1 e artigo 4º nº1, i) do ETAF (ainda em vigor), impõe-se a atribuição aos tribunais de Jurisdição Administrativa. Foi assim, acordado pelos juízes do Tribunal de Conflitos a competência em razão de matéria da jurisdição administrativa.
Portanto, embora me tenha reportado a um Acórdão de 2015, o qual está ainda ao abrigo do ETAF em vigor, o meu parecer foi no sentido de analisá-lo tendo em vista o ETAF revisto. Primeiramente cumpre averiguar que estamos perante um contrato de concessão, sendo que este é um contrato iminentemente administrativo. Incitado pelo contrato, estamos perante uma relação administrativa embora esta seja estabelecida por uma entidade privada e pelo Estado, tal como retrata o Professor Vieira de Andrade, “aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando em vista à realização de um interesse público legalmente definido”, o que significa que a presente situação está determinada na alínea h), do nº1 do artigo 4º (no ETAF em vigor, conta da alínea i)). Ou seja, estamos no âmbito da Jurisdição Administrativa[14].

Conclusões finais
Concluo, face ao exposto anteriormente, por uma maior abrangência e clareza do legislador ordinário no tratamento e determinação dos litígios de índole administrativa o que irá refletir o funcionamento pleno dos tribunais administrativos e fiscais. Assim sendo, parece-me que esta Reforma de 2015, ainda que mais vasta que a 2002, traz consigo um enorme contributo à vida judiciária dos particulares, que querem ver os seus litígios analisados com a supra credibilidade, e ainda dos juízes de ambas as jurisdições que passam a averiguar com maior certeza e segurança jurídica os inúmeros litígios.


Raquel de Sousa Rodrigues 
Nº23148







[1] À luz do novo regime do  ETAF , o Decreto-Lei n.º 214-G/2015 de 2 de Outubro.
Diário da República, 1ª série – N.º193 – 2 de outubro de 2015
[2] Na Reforma de 2002, o artigo 4º operou uma vera ampliação da jurisdição administrativa dando cumprimento aos ditames constitucionais, fazendo paridade entre a jurisdição comum e a jurisdição administrativa.
[3] Doravante designado por ETAF.
[4] Acordão do Tribunal de Conflitos, processo n.º 053/14 de 25-03-2015
Consultar:
http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cecaf773348948ef80257e2100351e6f?OpenDocument
[5] Doravante designada por CRP.
[6] “aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.  ANDRADE, José Vieira de, “A Justiça Administrativa”, Coimbra, 2012, p. 57/58.
[7] Lei n.º22/2002 de 22 de Fevereiro e Decreto-Lei n.º 214-G/2015 de 2 de Outubro, respetivamente.
[8] Conforme o ponto 8 do preâmbulo do projeto de Decreto-Lei autorizado.
[9] Supremo Tribunal de Justiça.
[10] Supressão da referência à “verificação da invalidade de quaisquer contratos que diretamente resulte da invalidade do ato administrativo no qual se fundou a respetiva celebração”.
[11]  DL n.º 18/2008, de 29 de Janeiro.
[12] Relembro a Lei n.º22/2002 de 22 de Fevereiro.
[13] [13] Acordão do Tribunal de Conflitos, processo n.º 053/14 de 25-03-2015
Consultar:
http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cecaf773348948ef80257e2100351e6f?OpenDocument 
[14] No presente caso, cumpria ainda chamar à colação a Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro -o artigo 1º nº5 visto que este concretiza o princípio previsto no artigo 4º/1/h ETAF revisto- já que esta trata da Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de Direito Privado. E ainda a Lei nº 24/2007 de 18 de Julho – artigo 12º, b)- referente aos animais.

A harmonização do regime do CPTA ao CPC



Nos últimos anos ocorreram alterações significativas no Código de Processo Civil, Lei de Organização do Sistema Judiciário, Código Procedimento Administrativo e a mais recente no Código Processo dos Tribunais Administrativos .
A reforma do processo civil teve uma influência determinante na tramitação da nova acção administrativa na qual são acolhidas muitas das novidades trazidas pelo novo CPC , no entanto na revisão do CPTA não se deixou de ter em conta as especificidades próprias do contencioso administrativo .
Houve uma aproximação dos regimes processuais naquilo que pode ser comum entre eles e foram estabelecidas diferenças de acordo com os regimes substantivos. Tem se considerado que a aplicação de soluções do CPC à justiça administrativa a podem tornar mais célere, mais flexível e mais simples.
Apesar de haver aproximações, existem também algumas especificidades e estas  justificam se pois o CPC regula o processo de pretensões no âmbito de relações jurídicas privadas, enquanto que o CPTA regula relações essencialmente públicas . Assim as aproximações que se vão verificando não podem por em causa a autonomia da jurisdição administrativa.
Em 2004 a jurisdição administrativa passou a ser plena deixando de ser uma jurisdição de mera anulação, sendo esta solução importada do CPC.
No entanto, também o CPC tentou utilizar como modelo algumas soluções já usadas no CPTA nomeadamente na formulação dos princípios fundamentais e da regra da legitimidade para a propositura de ações que visem tutelar interesses difusos.
Relativamente às últimas reformas, tem-se reconhecido que a reforma do processo civil influenciou a reforma do processo administrativo. Um dos exemplos é a redução a uma única forma de processo no CPTA tal como se verificou no CPC quanto ao processo declarativo, tornando assim mais fácil o reconhecimento de regras.
Mas, não quer isto dizer, que se remete para as regras do processo civil declarativa, a jurisdição administrativa tem regulação específica.
No entanto há casos em que o CPC é de aplicação subsidiária quando não haja regulação expressa no CPTA ou quando haja uma remissão como, por exemplo, no 140/3 CPTA.
Cabe agora analisar alguns aspetos da tramitação da Acão Administrativa e perceber quais as semelhanças ou diferenças entre o processo civil e o processo administrativo.
Relativamente à réplica, esta viu a sua importância a ser muito reduzida com a reforma do CPC, passando a estar prevista para casos muito residuais, esta diminuição de articulados tem como objetivo uma maior celeridade do processo. Enquanto que no CPTA prevê se a réplica enquanto articulado de resposta a exceções 85-A CPTA, assim quando o juiz vai proferir o despacho saneador o contraditório quanto a essas exceções já está assegurado. Foi assim adotado um regime abandonado pelo CPC. Esta alteração justifica se com a quantidade de exceções dilatórias frequentemente invocados e a não existência de réplica não teria como efeito uma aceleração do processo.
Quanto à audiência prévia, as finalidades desta são comuns para o processo civil e processo administrativo. No entanto no CPC é obrigatória a existência da audiência prévia enquanto que no CPTA é facultativa, pois existem finalidades que não justificam a obrigatoriedade da audiência que pode ser substituída por despachos.
No que diz respeito ao despacho saneador, no CPC pressupõe que tenha havido audiência prévia. No caso do CPTA, visto que a audiência prévia é facultativa e o contraditório já foi assegurado na réplica, não há essa exigência . Com a alteração do CPTA permite se que o juiz termine o processo e conheça o mérito da causa sempre que a questão seja apenas de direito, à semelhança do que acontece no processo civil – 595/5 CPC e 88 CPTA .
Por fim quanto às alegações finais estas têm o mesmo objeto tanto no CPC como no CPTA – expor conclusões de facto e direito extraídas da prova produzida.  No entanto no CPC essas alegações têm que ser orais e no CPTA admite se a possibilidade de estas serem orais.
Posso assim concluir que o CPTA foi alvo de uma grande revisão que não podia mais ser adiada e que esta reforma teve como objetivo harmonizar a justiça administrativa com a reforma do código do procedimento administrativo.

BIBLIOGRAFIA :
 -  VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Almedina, 2012, 12ª Edição;
 - VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009;
 - E-publica, Unificação das Formas de Processo – Alguns aspetos da tramitação da ação administrativa – Dinamene de Freitas – Junho de 2014
 - REAJA- 3ª Reunião Anual de Justiça Administrativa

LEGISLAÇÃO:
 - Decreto-lei nº 214-G/2015 de 2 de outubro que aprova Código de Processo dos Tribunais Administrativos
- Lei nº 41/2013 de 26 de Junho que aprova Código de Processo Civil.


Catarina Rocha Afonso Margarido
4º Ano Turma A , Sub turma 3