REVISÃO DO CPTA –
DESAPARECIMENTO DA BIPARTIÇÃO ENTRE ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM E ACÇÃO
ADMINISTRATIVA ESPECIAL
O Decreto-lei nº214-G/2015, publicado no dia dois de
Outubro, procedeu à revisão e republicação do CPTA e do ETAF. Estes dois diplomas
não foram substituídos por novos diplomas, sofreram apenas uma revisão, pelo
que, se mantêm os traços estruturantes existentes desde a reforma de 2002/2004.
A sua entrada em vigor está prevista para o próximo dia 2 de Dezembro, sendo
aplicáveis apenas aos processos iniciados a partir dessa data.
Esta alteração legislativa surge no seguimento da entrada em
vigor do novo CPA e do novo CPC, já que estas alterações evidenciaram a
necessidade de harmonização entre os vários diplomas. Por outro lado, os novos
diplomas introduziram alterações que faziam com que certos aspectos do regime
do CPTA e, mesmo, do ETAF deixassem de fazer sentido no panorama actual. Foi,
precisamente, neste contexto que surge a unificação dos meios processuais,
sendo essa uma das alterações mais importantes introduzidas pelo novo CPTA.
Para além destes motivos, grande parte da doutrina criticava a visão dualista
do contencioso administrativo.
Esta alteração foi no sentido da unificação dos meios
processuais numa única forma, a acção administrativa, ou seja, deixa de existir
a distinção entre acção administrativa comum e a acção administrativa especial.
Tal unificação pretende alcançar um maior grau de simplificação do procedimento
administrativo e deve-se, em grande medida, a uma tentativa de harmonização com
o novo CPC.
Breve referência às
figuras da acção administrativa comum e da acção administrativa especial:
a)
Acção
Administrativa Especial – encontra-se regulada nos arts 46º a 96º do CPTA
ainda em vigor e prende-se com o exercício de poderes de autoridade pela
Administração, sendo este o principal critério de distinção das duas figuras;
resulta do art.46º que este tipo de acção tem por objecto a impugnação de um
acto administrativo (arts. 50º a 65º), a condenação à prática de um acto devido
(arts.66º a 71º), a impugnação de normas ou a declaração de ilegalidade por omissão
(art.72º a 77º)
b)
Acção
Administrativa Comum – está regulada nos art.37º a 45º do CPTA; o âmbito de
aplicação desta figura é delimitado negativamente, ou seja, as acções devem ser
propostas sob a forma de acção administrativa comum quando não possam ser
objecto de acção administrativa especial, quer isto dizer que a acção
administrativa comum é subsidiária face à acção administrativa especial, “resulta do art.º 37.º, n.º 1 do CPTA
seguem a forma da acção administrativa comum os processos que tenham por
objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição
administrativa e que, nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objecto
de regulação especial. E no n.º 2 desta
norma são enumerados, em termos exemplificativos, os pedidos que podem ser
formulados lançando mão deste meio processual, descortinando-se aí, entre
outras, as “antigas” acções para reconhecimento de direitos, als. a) e b), as
acções sobre contratos, al. h) e as acções de responsabilidade civil, al. f).
“…o objecto da acção comum é, em relação à acção da Administração Pública
“qualquer actuação” que não consista na prática de actos administrativos (ou na
edição de normas administrativas); o âmbito da acção administrativa comum
coincide, insiste-se, com a área ocupada pelas relações administrativas
paritárias, em que a Administração não surge investida de poderes públicos de
autoridade.” (Acórdão TCAN_00499/10.7BEVIS
de 11-01-2013)
O CPTA Revisto – A Acção
Administrativa
O novo CPTA, no seu art.37º/1, estabelece que seguem a forma
de acção administrativa todos os processos que tenham por objecto litígios que
entram no âmbito da jurisdição Administrativa e que não tenham regulação
especial resultante do CPTA ou de legislação avulsa, desaparecendo, assim, a
distinção entre acção administrativa comum e acção administrativa especial.
Esta unificação poderia levar-nos a pensar que, com a revisão do CPTA, a acção
administrativa deixa de atender às especificidades do objecto da acção, contudo,
não é isto que acontece. A revisão não deixou de estabelecer regras especiais
tendo em conta o objecto das acções. Essas normas seguem, em larga medida, a
tradição da acção administrativa especial. Podemos constatar isto quando
olhamos para arts 50.º a 65.º que dizem respeito à impugnação de actos
administrativos, para os arts 66º a 71º, referentes à condenação à prática de
actos administrativos, para os arts 72º a 76º,relativamente à impugnação de
normas e para o art.77º, relativo à condenação à emissão de normas.
Apesar da manutenção de certos aspectos, resulta claramente
do art.37º a unificação dos meios processuais, já que todas acções que
preencham a forma de acção administrativa serão sujeitas ao mesmo regime,
regime esse presente no Capítulo III do Título II do CPTA. Contrariamente ao
que se passa com o CPTA em vigência, as acções administrativas referentes, por
exemplo, à responsabilidade civil do Estado (hoje, objecto de acção
administrativa comum – art.37º/2, f) CPTA em vigor) e as acções referentes à
impugnação de um acto administrativo (hoje, sujeitas à forma de acção
administrativa especial – art.46º/1, a) CPTA em vigor) passarão a estar
sujeitas à mesma tramitação. Esta igualdade de tratamento resulta do art.37º/1,
a) e k) do CPTA revisto.
Por outro lado, em matéria de contratação pública, o decurso
das acções será mais simples e prático, uma vez que, deixará de acontecer o que
acontece agora, em que este tipo de matérias tanto pode dar lugar a uma acção
administrativa especial, quando se pretenda, por exemplo, afectar um acto
pré-contratual, ou a uma acção administrativa comum, quando esteja em causa a
validade do próprio contrato. Com a revisão do CPTA, tanto um caso como o outro
será tratado segundo o mesmo procedimento.
Em termos de tramitação, as grandes mudanças estão ao nível
das acções cuja matéria cabia no âmbito da acção administrativa comum. A este
tipo de acções era aplicável o regime do CPC, tal como resulta da remissão do
art.42º do CPTA em vigor. Com o CPTA revisto, apesar do regime supletivo
continuar a ser o do CPC, estas acções têm a sua tramitação regulada
expressamente no CPTA (arts. 78º e ss). Esta alteração faz com que todas acções
passem a estar sujeitas aos mesmos pressupostos processuais, o que facilita e
clarifica o processo administrativo.
Podemos afirmar que as alterações introduzidas no CPTA com a
unificação dos meios processuais salientaram a ideia de que, na prática, a
acção administrativa especial é a acção comum, no sentido em que se trata do “meio processual do Contencioso
Administrativo, através do qual são tuteláveis alguns dos mais importantes
direitos subjectivos das relações jurídicas administrativas” (Vasco Pereira da Silva - O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição) , visto que
passa a existir um tratamento igual para as acções, independentemente de estar
ou não em causa o exercício de poderes de autoridade, sendo que esse regime
comum mantém, em grande medida, a tradição da acção administrativa especial.
Matilde Tavares Gravato Martins da Sela, nº23416