I.
INTRODUÇÃO
O artigo 202º/1 da CRP reserva aos
tribunais o desempenho da função jurisdicional. No entanto, não existe qualquer
incompatibilidade entre a justiça e a autodeterminação privada sendo que os conflitos
de natureza judicial podem ser resolvidos através de soluções institucionais. É
o que se retira do 209º/2 da CRP. Aliás, como o próprio Tribunal Constitucional
reconheceu no Acórdão 509/96, não há apenas tribunais estatais.
Assim, o presente texto
insere-se no seio relações jurídico-administrativas, incidindo, sobretudo,
sobre a arbitragem no Contencioso Administrativo, decorrente do CPTA. E porquê
este tema? Tem-se apontado algumas dificuldades à possibilidade da
Administração celebrar convenções de arbitragem, designadamente por motivos
atinentes à sua capacidade e à prossecução de interesse público: quanto à
capacidade, parece esquecer que as pessoas coletivas públicas têm a mesma
capacidade que as pessoas coletivas privadas e por isso podem, nos seus
negócios de direito privado, estipular convenções de arbitragem; já a
circunstância de estar em jogo o interesse público não pode ser um obstáculo à
arbitrabilidade, pois o próprio facto de haver um contrato administrativo
revela que a Administração é livre de modular a prossecução desse interesse
público negociando com os particulares. No entanto, não quer isto dizer que o
recurso à via arbitral possa ou deva ser generalizado…
Ora, os
tribunais arbitrais exercem a função jurisdicional e integram a justiça
administrativa em sentido material, funcional e orgânico, sendo um instrumento
geral de resolução de conflitos. Aliás, como bem afirma MÁRIO AROSO DE ALMEIDA,
“A incompetência dos tribunais
administrativos pode resultar da existência de convenção arbitral, pela qual as
partes no litígio o tenham subtraído à apreciação dos tribunais do Estado, para
o submeterem à apreciação de tribunal arbitral”.
II.
ARBITRAGEM
Seguindo JOSÉ LUÍS ESQUÍVEL,
a arbitragem é “um meio de resolução de
litígios fora dos quadros dos tribunais que integram a justiça oficial ou dos
tribunais do Estado em que as partes em litígio (…) submetem o litígio à
apreciação de terceiros (árbitros), os quais, por força da lei, atuam como um
verdadeiro tribunal, tendo as respetivas decisões a natureza de sentença, com
força de caso julgado [Acórdão do TC 250/96]”. As
convenções de arbitragem têm a natureza de negócios jurídicos bilaterais e os
poderes atribuídos aos árbitros são poderes jurisdicionais, não
sendo poderes de representação nem poderes de atuação por conta de outrem. É,
ainda, opinião sufragada pelo STJ que a arbitragem voluntária é contratual na
sua origem, privada na sua natureza e jurisdicional na sua função.
Cabe salientar o termo “arbitrabilidade” que designa
precisamente a aptidão de um litígio ser submetido a arbitragem. Consequentemente,
a LAV impõe dois requisitos (1º/1): deve-se tratar de direitos de natureza
patrimonial e inexistir lei que determine que o litígio se deve submeter a
arbitragem necessária ou tribunal judicial. Fala-se então de “arbitrabilidade subjetiva”, presente no
1º/5 e de “arbitrabilidade objetiva” presente
no 1º/1, ambos da LAV. O critério de arbitrabilidade na natureza patrimonial
dos interesses envolvidos surge apenas na LAV de 2011, sustentado em vários
estudos por SAMPAIO CARAMELO, não sendo o critério utilizado pela LAV de
1986 – o critério da indisponibilidade do direito.
Será que se pode falar de
um princípio de legalidade da arbitragem? Eu diria que sim, dado que é à lei
que cabe definir o modo de organização e de funcionamento dos tribunais
arbitrais e regras do processo arbitral. Como se escreve no Acórdão do TC 311/08,
"(…) o poder de decisão do tribunal
arbitral, mesmo quando assenta na vontade das partes, tem uma óbvia dimensão
institucional, sujeita a condicionamentos e restrições decorrentes da regulação
estadual”.
É de notar que a CRP, ao
incluir os tribunais arbitrais entre as categorias de tribunais (artigo 209º da
CRP e Acórdão do TC 181/2007), reconhece a natureza jurisdicional da atividade
desenvolvida por aqueles. E adiante-se três características destes tribunais:
(i) os tribunais arbitrais têm o poder de decidir sobre a sua própria
competência (kompetenz-kompetenz -
21º da LAV); (ii) as suas decisões fazem caso julgado e possuem a mesma força
executiva das decisões dos tribunais judiciais de 1ª instância (26º da LAV);
(iii) o artigo 25º da LAV é expresso ao qualificar “jurisdicional” o poder
exercido pelos árbitros. São, assim, verdadeiros tribunais conforme decorre do Acórdão
do TC 230/86, "(…)
tribunal arbitral voluntário, mesmo em doutrina pura, é tido e considerado como
real e verdadeiro tribunal. Os tribunais arbitrais não são contudo tribunais
iguais aos do Estado: não estão integrados na organização estadual (antes
formam um sistema paralelo ou alternativo), (…)”. Fica também claro que a
criação de tribunais arbitrais é da reserva de competência legislativa relativa
da AR, pois que cabe a esta a organização e competência dos tribunais, nos
termos do 165º/1 p) da CRP.
Mas… será que existe uma
reserva de competência jurisdicional dos tribunais do Estado, dentro da qual
não são possíveis os tribunais arbitrais? Ora, tudo indica que sim e, a título
de exemplo, não são possíveis tribunais arbitrais para o julgamento de questões
de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de normas.
Através do acordo, as
partes podem conformar os poderes de decisão do tribunal. A convenção de
arbitragem pode assumir duas formas (1º/2 da LAV): (i) quando tiver por “objeto um determinado litígio atual”,
caso em que se chama compromisso arbitral; ou (ii) tratando-se de “litígios eventuais emergentes de
determinada relação jurídica contratual ou extracontratual”, caso em que se
chama cláusula compromissória. A arbitragem poderá ser ainda (iii) institucional,
quando submetida a centros especializados já existentes, que contam com
organização e estrutura voltadas para essa atividade e (iv) ad hoc, quando o tribunal arbitral for
constituído especialmente para o julgamento de litígio surgido entre as partes ou
assim estiver previsto. E mais, as partes podem atribuir aos tribunais
arbitrais o poder de decidir de acordo com a equidade; se assim não for, os
tribunais arbitrais devem aplicar o direito como o fariam os tribunais comuns.
As partes podem ainda considerar
abrangidas na dita convenção outras questões - 1º/3 da LAV.
III.
NATUREZA DA ARBITRAGEM
Uma
questão que também se coloca é a da natureza jurídica da arbitragem. A doutrina
divide-se em três setores que cabe agora analisar.
A
doutrina maioritária, onde se incluem SÉRVULO CORREIA e VIEIRA DE ANDRADE,
classifica a arbitragem como um exercício da função jurisdicional. O primeiro
diz que "(…) ao integrar os tribunais arbitrais entre os outros
tribunais, a Constituição qualifica implicitamente o desempenho da atividade
dos árbitros como um caso de exercício de uma função estadual por
particulares”. No entanto, do lado oposto, JOÃO CAUPERS defende
que se trata de “(…) uma técnica de solução de conflitos de
natureza convencional porque exige um acordo entre as partes e que
essa técnica é quási-judicial garantindo uma solução para o
litígio obrigatória para as partes, uma vez que os árbitros são verdadeiros
juízes, embora não façam parte da justiça do Estado e sejam escolhidos pelas
partes”. Por fim, há ainda quem defenda uma posição intermédia, tal como
JOSÉ LUÍS ESQUÍVEL, que afirma que “Por um lado, a sua
base assenta num contrato de convenção. Por outro lado, uma vez que constituído
o tribunal arbitral, este funciona como um verdadeiro tribunal, configurando,
nesta medida, uma alternativa aos tribunais de jurisdição pública para a
resolução de litígios entre as partes.”.
Na
minha opinião penso que a razão se encontra com a doutrina maioritária visto
que é a própria Constituição que afirma o poder jurisdicional a árbitros para a
resolução de conflitos de terceiros.
IV.
VANTAGENS
A saber, a arbitragem
evidencia algumas vantagens. Diria que existem quatro principais e são elas:
(i) a primeira, o facto de o processo ser mais célere e flexível, por oposição
aos processos normais e rígidos da jurisdição normal - o prazo para a decisão
arbitral, desde a constituição do tribunal é, em média, de seis meses; (ii) o
facto de as partes terem margem para escolherem os árbitros em função da sua
própria especialização tendo um maior conhecimento, levando a uma decisão mais
justa; (iii) a maior economia alcançada pela jurisdição arbitral
comparativamente aos tribunais Administrativos e Fiscais; (iv) por fim, com
esta alternativa, o Estado conseguir aliviar a carga em termos de trabalho
relativamente aos tribunais judiciais.
V.
REFORMA NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Antes de começar,
parece-me importante fazer uma breve reflexão do percurso histórico,
relativamente ao desenvolvimento temático a que me propus, principalmente sobre
a Reforma de 2002/2004 do Contencioso Administrativo.
A história da arbitragem
em questões relacionadas com o Direito Administrativo remonta às décadas de 50
e 60, quando o STA proferiu diversas decisões nas quais admitia a validade de
cláusulas compromissórias inseridas em contratos administrativos de concessão
de serviço público. O STA, nessas decisões, apontava no sentido de permitir que
os litígios respeitantes a contratos administrativos fossem submetidos ao juízo
arbitral, por entender que os artigos do CPC disciplinadores da questão
continham um princípio geral de direito cujo afastamento, no âmbito da
jurisdição administrativa, não era imposto pela natureza administrativa dos
contratos de concessão. Todavia, fora desses casos, rejeitava-se a
possibilidade de recurso à arbitragem.
Note-se ainda, que até o
ano de 1984, quando foi publicado o ETAF, não existia em Portugal previsão
legal genérica que autorizasse o recurso à arbitragem nas relações
jurídico-administrativas, mas apenas alguns diplomas dispersos. Com a entrada
em vigor do ETAF, cujo artigo 2º/2 admitia o recurso à arbitragem no domínio do
contencioso dos contratos administrativos, assistiu-se à legitimação, a nível
legislativo. A partir do ETAF, portanto, passou a existir em Portugal uma cláusula
geral de arbitrabilidade de litígios pertencentes à jurisdição administrativa,
embora somente no que respeitasse àqueles relativos a contratos administrativos
e à responsabilidade por atos de gestão pública.
Mais tarde, com a Reforma do Contencioso Administrativo
surgiram as seguintes inovações: (i) em primeiro lugar, verificou-se a
redefinição da competência dos tribunais administrativos, (ii) notou-se a
ampliação do âmbito da jurisdição administrativa, (iii) de destacar a significativa
alteração no que diz respeito aos meios processuais, criando-se novas formas
para o processo contencioso, (iv) a legitimidade processual, por seu turno, também
foi objeto de modificação, entre outras.
No entanto, há que
sublinhar a “inovação” que mais contribuiu para o desenvolvimento deste
trabalho: a previsão da criação de tribunais e centros arbitrais para a
apreciação de litígios provenientes das relações jurídico-administrativas
(artigos 180º a 187º do CPTA). No fundo, o CPTA teve o mérito de ampliar o rol
de litígios, surgidos entre a Administração e os particulares, que podem ser
apreciados no juízo arbitral, uma vez que essa possibilidade já era admitida há
muito tempo pelo ordenamento jurídico português em relação a certas matérias.
Seguindo caminho, com o pós-Reforma o
primeiro aspeto a sublinhar é a distinção entre arbitragem ad hoc e arbitragem institucionalizada. O âmbito das matérias que
podem ser objeto de arbitragem administrativa ad hoc vem delimitado no 180º/1 do CPTA. Neste campo, o CPTA, a par
de prever a arbitragem em matérias relativamente as quais esta já era admitida
trouxe novidades, nomeadamente, a previsão constante do 180º/1 c) do mesmo.
Além dos domínios nos quais a arbitragem já estava consagrada e para os quais
existe a possibilidade da arbitragem ad
hoc, prevê o 187º/1 do CPTA que o Estado poderá autorizar a criação de
centros de arbitragem institucionalizada.
Em suma, afirmo que é com
o ETAF de 1984 que se dá a fase do “batismo”
da arbitragem administrativa e é com a Reforma de 2002/2004 que se dá a fase da
“confirmação” da mesma, adotando a
terminologia de VASCO PEREIRA DE SILVA.
VI.
ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA - INTRODUÇÃO
A
arbitragem no Contencioso Administrativo vem prevista e regulada dos artigos
180º a 187º do CPTA. Porém, estes são complementados pela LAV, conforme o
artigo 181º do CPTA e, principalmente, tendo em conta que este diploma veio
revogar os artigos 181º/2 e 186º do CPTA. Apesar de o tribunal arbitral
funcionar nos termos da LAV, deve entender-se que há normas especiais sobre a
disciplina da arbitragem no âmbito administrativo que prevalecem sempre sobre
as normas da LAV. Por exemplo, por isso se compreende que a outorga do
compromisso arbitral por parte do Estado deva ser objeto de despacho do ministro
da tutela, nos termos do 184º/1 do CPTA. Sem aquele despacho não há compromisso
arbitral.
Mas…
e os critérios do 2º/2 da LAV acima descritos? Aplicam-se ao Direito
Administrativo? Bom, na opinião de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, no que diz respeito
aos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, não existe uma
norma de permissão geral de arbitragem em matéria administrativa. Daqui resulta
que a admissibilidade da arbitragem em matéria administrativa não resulta dos
critérios gerais de arbitrabilidade que resulta do 2º/2 da LAV. É ao legislador
a quem compete eleger o critério que o hão de orientar na identificação dos
casos concretos. Por outras palavras, é ao Direito Administrativo que, em
diploma próprio, cumpre definir um regime próprio no que toca aos critérios de
arbitrabilidade a adotar no âmbito das relações jurídicas administrativas.
Com efeito,
o 180º/º1 do CPTA reserva a possibilidade de constituição de um
tribunal arbitral para dirimir conflitos que respeitem: (i) contratos, incluindo a apreciação de atos
administrativos relativos à respetiva execução (ex: licenças) – ou seja, as
questões enunciadas nas alíneas b), e) e f) do artigo 4.º do ETAF e tudo o que
se relacione com a execução dos contratos; (ii) responsabilidade
civil extracontratual, incluindo a efetivação do direito de regresso - responsabilidade
não só por danos decorrentes de atos de gestão pública mas também por danos
decorrentes de atos de gestão privada da Administração - valendo
aqui a Lei 67/2007 que regula a matéria de responsabilidade da Administração
Pública; (iii) atos administrativos que possam ser
revogados sem fundamento na sua invalidade, ou seja, deve-se proceder, com base no
artigo 160º do CPA, a uma delimitação negativa, abrangendo todos os atos cujos
efeitos não sejam impostos por lei imperativa; (iv) litígios emergentes de
relações jurídicas de emprego público - exceto quando estão em causa direitos
indisponíveis ou quando estes litígios resultem de acidente de trabalho ou de
doença profissional.
Refira-se
ainda que, em qualquer das situações descritas no 180º/1 do CPTA, caso existam
contrainteressados, o litígio não pode ser dirimido por um tribunal arbitral, a
não ser que aqueles aceitem tal compromisso – é solução imposta pelo 180º/2 do
CPTA, que se justifica pela relevância da tutela dos interesses dos
contrainteressados no âmbito das relações jurídico-administrativas (os quais
deverão obrigatoriamente ser demandados por aplicação analógica do artigo 57º
do CPTA).
A
arbitragem está excluída nos termos do artigo 185º/1 do CPTA, para a
responsabilidade civil por prejuízos decorrentes de atos praticados no
exercício da função política e legislativa ou da função jurisdicional, sendo da
competência exclusiva dos tribunais administrativos, nos termos do 4º/1 g) do ETAF.
A
eventual preterição do tribunal arbitral em violação da convenção arbitral tem
as consequências previstas nos artigos 577º e 578º do CPC, supletivamente
aplicáveis ex vi 1º CPTA.
O
facto de ter como parte um sujeito da Administração Pública não descaracteriza
a convenção de arbitragem como contrato de direito privado. Em síntese, dentro
dos limites consentidos pela lei, os responsáveis pela entidade da
Administração Pública que é parte do litígio, ao celebrarem a convenção
arbitral, manifestam uma vontade livre de vinculação ao sistema de jurisdição
arbitral e de renúncia aos tribunais do Estado.
VII.
TRIBUNAIS INSTITUCIONALIZADOS
Como
já se disse, a Reforma do Contencioso Administrativo introduziu novidades
significativas em matéria de arbitragem institucionalizada na área do Direito
Administrativo, designadamente com a adoção pelo CPTA de uma disposição
expressa destinada a regular a matéria: o artigo 187º.
A questão agora a colocar
é a de que será que as competências previstas no artigo 187º do CPTA, para os
centros de arbitragem institucionalizados em matéria administrativa, devem ser
limitadas em função da delimitação efetuada no 180º CPTA? Eu diria que não com
base em três argumentos: (i) em primeiro lugar, é evidente que o CPTA pretendeu
deixar claro que os centros de arbitragem institucionalizados podem julgar
litígios em áreas delimitadas de forma diferente do que um qualquer outro
tribunal arbitral daí a diferente delimitação de competências para os tribunais
arbitrais em geral (180º do CPTA) e para os tribunais arbitrais
incluídos em centros de arbitragem institucionalizados (187º do CPTA); (ii) em
segundo lugar, o espírito modernizador da Reforma do Contencioso Administrativo
concretizou-se designadamente na criação de mecanismos de descongestionamento e
agilização processual destinados – a arbitragem administrativa institucionalizada
foi um desses instrumentos; (iii) finalmente, convém não esquecer que a criação
de centros de arbitragem institucionalizados está sujeita a um formalismo e
exigência que não impende perante os outros tribunais arbitrais: a lei exige
que se siga um procedimento administrativo sendo que visa efetuar um controlo
administrativo que, no caso dos tribunais arbitrais em geral, não existe. Em
suma, é natural que se admita que centros de arbitragem institucionalizados
possam julgar conflitos em situações onde outros tribunais arbitrais não possam
interferir.
E agora, como pode um
centro de arbitragem institucionalizado ser chamado a julgar numa matéria que
lhe é reconhecida pela lei? Por três formas: (i) através de portarias
ministeriais que aceitem previamente os tipos de litígios que lhe possam ser
submetidos (187º/2 do CPTA); (ii) por via de um compromisso arbitral celebrado
pelo ministro competente para as entidades públicas na sua dependência
hierárquica ou pelo presidente do órgão dirigente de uma pessoa coletiva
(184º/1 e /2 do CPTA); (iii) através do conteúdo dos contratos que venham a ser
celebrados com particulares, onde é possível acordar previamente a submissão
obrigatória de futuros litígios.
Resta, por último,
referir o centro de arbitragem institucionalizado que mais se tem destacado em
matéria de arbitragem administrativa. Falo do CAAD – Centro de Arbitragem
Administrativa. A criação deste centro de arbitragem teve três objetivos.
Pretendia-se, em primeiro lugar, que o CAAD proporcionasse uma resolução de
conflitos administrativos de forma mais célere que nos tribunais
administrativos. Em segundo lugar, pretendia-se que este Centro resolvesse
litígios com custos mais baixos para os seus utentes garantindo uma via mais
económica. Em terceiro lugar, queria-se que este centro de arbitragem
oferecesse garantias de elevada especialização na análise das questões que lhe
são submetidas.
Assim, o CAAD é um bom
exemplo de aproveitamento das potencialidades oferecidas pela Reforma do
Contencioso Administrativo.
VIII. TRIBUNAIS
ARBITRAIS NECESSÁRIOS E INTERNACIONAIS
Os tribunais arbitrais
necessários são aqueles cuja constituição é prescrita por lei especial. O CPC
admite-os e nada os impede no âmbito das relações jurídicas administrativas,
sendo apenas exigível previsão em lei especial.
Destes tribunais distingue-se
a situação do tribunal arbitral forçoso prevista no 182º do CPTA que dá ao
interessado o direito de exigir da Administração a celebração de
compromisso arbitral. A lei consagra aqui um verdadeiro direito do
particular pelo que, se a Administração o não praticar, pode este recorrer
ao artigo 67º do CPTA.
Mas… levantarão estes tribunais problemas
relativamente à sua constitucionalidade? São
dois os principais argumentos em que tem assentado a
desconfiança constitucional. O primeiro é o do direito fundamental de
acesso aos tribunais (artigos 20º/1 e 268º/4 e /5 da CRP) e, o segundo, o
do princípio da igualdade (artigo 13º/1 da CRP). A amplitude constitucional
suporta assim duas conceções distintas: de um lado defende-se a tese da
inconstitucionalidade da arbitragem necessária; do outro admitem-se tribunais
arbitrais necessários, desde que esteja garantido que a decisão arbitral não é
definitiva, ou seja, contanto que esteja salvaguardado o direito de recurso
pleno para os tribunais estaduais. Os defensores da inconstitucionalidade
suportam a sua tese no argumento de que o Estado abdica de julgar certas
categorias de conflitos o que significa uma expressa renúncia ao exercício
da função (pública) jurisdicional, sendo que vão buscar apoio legal ao
20º/1 da CRP, como já referi. E, mais ainda, relativamente ao artigo 13º/1 da
CRP, a verificação de que aqueles que utilizam um mecanismo de arbitragem
necessária se encontram em desvantagem em face de todos os restantes que, por
terem acesso aos tribunais estaduais, têm em alternativa o direito de escolher
entre o acesso aos tribunais do Estado ou a mecanismos de arbitragem
voluntária.
Na
minha opinião, a visão acima, com o devido respeito, não é a correta. Penso que
a admissibilidade dos tribunais necessários não se prende com questões de
inconstitucionalidade. No entanto, não se pode ignorar a garantia do direito de
acesso aos tribunais consagrada no artigo 20º/1, da Constituição.
Por fim, relativamente à
arbitragem em termos internacionais, resta agora saber se a Administração
Pública se pode sujeitar à arbitragem no estrangeiro. A CRP e o CPTA nada dizem
face a esta questão; no entanto, daí não decorre que esta não seja permitida.
Na minha opinião, visto que a LAV e o CPTA não distinguem entre a arbitragem a
realizar em Portugal ou no estrangeiro, não pode o intérprete também distinguir,
aceitando, assim, a segunda nos mesmos termos da primeira. Há ainda um outro
argumento que resulta da Convenção de Washington de 1965, ratificada por
Portugal, de onde resulta que não existem restrições à arbitragem internacional
em matérias administrativas.
·
BIBLIOGRAFIA
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administrativa”, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 34, julho/agosto
2002;
- ALMEIDA,
Mário Aroso de e CADILHA, Carlos Fernandes, “Comentário
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Diogo Freitas do e ALMEIDA, Mário Aroso de, “Grandes
Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, Almedina, 2007;
-
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- CAUPERS,
João, “A Arbitragem nos litígios entre
Administração Pública e os particulares”, Cadernos de Justiça
Administrativa, nº 18, novembro/dezembro 1999;
- CORREIA,
Sérvulo, “Arbitragem Voluntária nos
Contratos Administrativas”, in
Estudos em Memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Faculdade de
Direito de Lisboa, 1995;
- SILVA,
Vasco Pereira da, “O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2009;
TIAGO LOPES DA VEIGA, n.º 25914