segunda-feira, 30 de outubro de 2017

A Arbitragem no Contencioso Administrativo


I.                    INTRODUÇÃO

O artigo 202º/1 da CRP reserva aos tribunais o desempenho da função jurisdicional. No entanto, não existe qualquer incompatibilidade entre a justiça e a autodeterminação privada sendo que os conflitos de natureza judicial podem ser resolvidos através de soluções institucionais. É o que se retira do 209º/2 da CRP. Aliás, como o próprio Tribunal Constitucional reconheceu no Acórdão 509/96, não há apenas tribunais estatais.
Assim, o presente texto insere-se no seio relações jurídico-administrativas, incidindo, sobretudo, sobre a arbitragem no Contencioso Administrativo, decorrente do CPTA. E porquê este tema? Tem-se apontado algumas dificuldades à possibilidade da Administração celebrar convenções de arbitragem, designadamente por motivos atinentes à sua capacidade e à prossecução de interesse público: quanto à capacidade, parece esquecer que as pessoas coletivas públicas têm a mesma capacidade que as pessoas coletivas privadas e por isso podem, nos seus negócios de direito privado, estipular convenções de arbitragem; já a circunstância de estar em jogo o interesse público não pode ser um obstáculo à arbitrabilidade, pois o próprio facto de haver um contrato administrativo revela que a Administração é livre de modular a prossecução desse interesse público negociando com os particulares. No entanto, não quer isto dizer que o recurso à via arbitral possa ou deva ser generalizado…
Ora, os tribunais arbitrais exercem a função jurisdicional e integram a justiça administrativa em sentido material, funcional e orgânico, sendo um instrumento geral de resolução de conflitos. Aliás, como bem afirma MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “A incompetência dos tribunais administrativos pode resultar da existência de convenção arbitral, pela qual as partes no litígio o tenham subtraído à apreciação dos tribunais do Estado, para o submeterem à apreciação de tribunal arbitral”

II.                 ARBITRAGEM

Seguindo JOSÉ LUÍS ESQUÍVEL, a arbitragem é “um meio de resolução de litígios fora dos quadros dos tribunais que integram a justiça oficial ou dos tribunais do Estado em que as partes em litígio (…) submetem o litígio à apreciação de terceiros (árbitros), os quais, por força da lei, atuam como um verdadeiro tribunal, tendo as respetivas decisões a natureza de sentença, com força de caso julgado [Acórdão do TC 250/96]”. As convenções de arbitragem têm a natureza de negócios jurídicos bilaterais e os poderes atribuídos aos árbitros são poderes jurisdicionais, não sendo poderes de representação nem poderes de atuação por conta de outrem. É, ainda, opinião sufragada pelo STJ que a arbitragem voluntária é contratual na sua origem, privada na sua natureza e jurisdicional na sua função.
Cabe salientar o termo “arbitrabilidade” que designa precisamente a aptidão de um litígio ser submetido a arbitragem. Consequentemente, a LAV impõe dois requisitos (1º/1): deve-se tratar de direitos de natureza patrimonial e inexistir lei que determine que o litígio se deve submeter a arbitragem necessária ou tribunal judicial. Fala-se então de “arbitrabilidade subjetiva”, presente no 1º/5 e de “arbitrabilidade objetiva” presente no 1º/1, ambos da LAV. O critério de arbitrabilidade na natureza patrimonial dos interesses envolvidos surge apenas na LAV de 2011, sustentado em vários estudos por SAMPAIO CARAMELO, não sendo o critério utilizado pela LAV de 1986 – o critério da indisponibilidade do direito.
Será que se pode falar de um princípio de legalidade da arbitragem? Eu diria que sim, dado que é à lei que cabe definir o modo de organização e de funcionamento dos tribunais arbitrais e regras do processo arbitral. Como se escreve no Acórdão do TC 311/08, "(…) o poder de decisão do tribunal arbitral, mesmo quando assenta na vontade das partes, tem uma óbvia dimensão institucional, sujeita a condicionamentos e restrições decorrentes da regulação estadual”.
É de notar que a CRP, ao incluir os tribunais arbitrais entre as categorias de tribunais (artigo 209º da CRP e Acórdão do TC 181/2007), reconhece a natureza jurisdicional da atividade desenvolvida por aqueles. E adiante-se três características destes tribunais: (i) os tribunais arbitrais têm o poder de decidir sobre a sua própria competência (kompetenz-kompetenz - 21º da LAV); (ii) as suas decisões fazem caso julgado e possuem a mesma força executiva das decisões dos tribunais judiciais de 1ª instância (26º da LAV); (iii) o artigo 25º da LAV é expresso ao qualificar “jurisdicional” o poder exercido pelos árbitros. São, assim, verdadeiros tribunais conforme decorre do Acórdão do TC 230/86, "(…) tribunal arbitral voluntário, mesmo em doutrina pura, é tido e considerado como real e verdadeiro tribunal. Os tribunais arbitrais não são contudo tribunais iguais aos do Estado: não estão integrados na organização estadual (antes formam um sistema paralelo ou alternativo), (…)”. Fica também claro que a criação de tribunais arbitrais é da reserva de competência legislativa relativa da AR, pois que cabe a esta a organização e competência dos tribunais, nos termos do 165º/1 p) da CRP.
Mas… será que existe uma reserva de competência jurisdicional dos tribunais do Estado, dentro da qual não são possíveis os tribunais arbitrais? Ora, tudo indica que sim e, a título de exemplo, não são possíveis tribunais arbitrais para o julgamento de questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de normas.
Através do acordo, as partes podem conformar os poderes de decisão do tribunal. A convenção de arbitragem pode assumir duas formas (1º/2 da LAV): (i) quando tiver por “objeto um determinado litígio atual”, caso em que se chama compromisso arbitral; ou (ii) tratando-se de “litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual”, caso em que se chama cláusula compromissória. A arbitragem poderá ser ainda (iii) institucional, quando submetida a centros especializados já existentes, que contam com organização e estrutura voltadas para essa atividade e (iv) ad hoc, quando o tribunal arbitral for constituído especialmente para o julgamento de litígio surgido entre as partes ou assim estiver previsto. E mais, as partes podem atribuir aos tribunais arbitrais o poder de decidir de acordo com a equidade; se assim não for, os tribunais arbitrais devem aplicar o direito como o fariam os tribunais comuns.
As partes podem ainda considerar abrangidas na dita convenção outras questões - 1º/3 da LAV.

III.               NATUREZA DA ARBITRAGEM

Uma questão que também se coloca é a da natureza jurídica da arbitragem. A doutrina divide-se em três setores que cabe agora analisar.
A doutrina maioritária, onde se incluem SÉRVULO CORREIA e VIEIRA DE ANDRADE, classifica a arbitragem como um exercício da função jurisdicional. O primeiro diz que "(…) ao integrar os tribunais arbitrais entre os outros tribunais, a Constituição qualifica implicitamente o desempenho da atividade dos árbitros como um caso de exercício de uma função estadual por particulares”. No entanto, do lado oposto, JOÃO CAUPERS defende que se trata de “(…) uma técnica de solução de conflitos de natureza convencional porque exige um acordo entre as partes e que essa técnica é quási-judicial garantindo uma solução para o litígio obrigatória para as partes, uma vez que os árbitros são verdadeiros juízes, embora não façam parte da justiça do Estado e sejam escolhidos pelas partes”. Por fim, há ainda quem defenda uma posição intermédia, tal como  JOSÉ LUÍS ESQUÍVEL, que afirma que “Por um lado, a sua base assenta num contrato de convenção. Por outro lado, uma vez que constituído o tribunal arbitral, este funciona como um verdadeiro tribunal, configurando, nesta medida, uma alternativa aos tribunais de jurisdição pública para a resolução de litígios entre as partes.”.
            Na minha opinião penso que a razão se encontra com a doutrina maioritária visto que é a própria Constituição que afirma o poder jurisdicional a árbitros para a resolução de conflitos de terceiros.

IV.              VANTAGENS

A saber, a arbitragem evidencia algumas vantagens. Diria que existem quatro principais e são elas: (i) a primeira, o facto de o processo ser mais célere e flexível, por oposição aos processos normais e rígidos da jurisdição normal - o prazo para a decisão arbitral, desde a constituição do tribunal é, em média, de seis meses; (ii) o facto de as partes terem margem para escolherem os árbitros em função da sua própria especialização tendo um maior conhecimento, levando a uma decisão mais justa; (iii) a maior economia alcançada pela jurisdição arbitral comparativamente aos tribunais Administrativos e Fiscais; (iv) por fim, com esta alternativa, o Estado conseguir aliviar a carga em termos de trabalho relativamente aos tribunais judiciais.

V.                REFORMA NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

Antes de começar, parece-me importante fazer uma breve reflexão do percurso histórico, relativamente ao desenvolvimento temático a que me propus, principalmente sobre a Reforma de 2002/2004 do Contencioso Administrativo.
A história da arbitragem em questões relacionadas com o Direito Administrativo remonta às décadas de 50 e 60, quando o STA proferiu diversas decisões nas quais admitia a validade de cláusulas compromissórias inseridas em contratos administrativos de concessão de serviço público. O STA, nessas decisões, apontava no sentido de permitir que os litígios respeitantes a contratos administrativos fossem submetidos ao juízo arbitral, por entender que os artigos do CPC disciplinadores da questão continham um princípio geral de direito cujo afastamento, no âmbito da jurisdição administrativa, não era imposto pela natureza administrativa dos contratos de concessão. Todavia, fora desses casos, rejeitava-se a possibilidade de recurso à arbitragem.
Note-se ainda, que até o ano de 1984, quando foi publicado o ETAF, não existia em Portugal previsão legal genérica que autorizasse o recurso à arbitragem nas relações jurídico-administrativas, mas apenas alguns diplomas dispersos. Com a entrada em vigor do ETAF, cujo artigo 2º/2 admitia o recurso à arbitragem no domínio do contencioso dos contratos administrativos, assistiu-se à legitimação, a nível legislativo. A partir do ETAF, portanto, passou a existir em Portugal uma cláusula geral de arbitrabilidade de litígios pertencentes à jurisdição administrativa, embora somente no que respeitasse àqueles relativos a contratos administrativos e à responsabilidade por atos de gestão pública.
 Mais tarde, com a Reforma do Contencioso Administrativo surgiram as seguintes inovações: (i) em primeiro lugar, verificou-se a redefinição da competência dos tribunais administrativos, (ii) notou-se a ampliação do âmbito da jurisdição administrativa, (iii) de destacar a significativa alteração no que diz respeito aos meios processuais, criando-se novas formas para o processo contencioso, (iv) a legitimidade processual, por seu turno, também foi objeto de modificação, entre outras.
No entanto, há que sublinhar a “inovação” que mais contribuiu para o desenvolvimento deste trabalho: a previsão da criação de tribunais e centros arbitrais para a apreciação de litígios provenientes das relações jurídico-administrativas (artigos 180º a 187º do CPTA). No fundo, o CPTA teve o mérito de ampliar o rol de litígios, surgidos entre a Administração e os particulares, que podem ser apreciados no juízo arbitral, uma vez que essa possibilidade já era admitida há muito tempo pelo ordenamento jurídico português em relação a certas matérias.
Seguindo caminho, com o pós-Reforma o primeiro aspeto a sublinhar é a distinção entre arbitragem ad hoc e arbitragem institucionalizada. O âmbito das matérias que podem ser objeto de arbitragem administrativa ad hoc vem delimitado no 180º/1 do CPTA. Neste campo, o CPTA, a par de prever a arbitragem em matérias relativamente as quais esta já era admitida trouxe novidades, nomeadamente, a previsão constante do 180º/1 c) do mesmo. Além dos domínios nos quais a arbitragem já estava consagrada e para os quais existe a possibilidade da arbitragem ad hoc, prevê o 187º/1 do CPTA que o Estado poderá autorizar a criação de centros de arbitragem institucionalizada.
Em suma, afirmo que é com o ETAF de 1984 que se dá a fase do “batismo” da arbitragem administrativa e é com a Reforma de 2002/2004 que se dá a fase da “confirmação” da mesma, adotando a terminologia de VASCO PEREIRA DE SILVA.

VI.              ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA - INTRODUÇÃO

A arbitragem no Contencioso Administrativo vem prevista e regulada dos artigos 180º a 187º do CPTA. Porém, estes são complementados pela LAV, conforme o artigo 181º do CPTA e, principalmente, tendo em conta que este diploma veio revogar os artigos 181º/2 e 186º do CPTA. Apesar de o tribunal arbitral funcionar nos termos da LAV, deve entender-se que há normas especiais sobre a disciplina da arbitragem no âmbito administrativo que prevalecem sempre sobre as normas da LAV. Por exemplo, por isso se compreende que a outorga do compromisso arbitral por parte do Estado deva ser objeto de despacho do ministro da tutela, nos termos do 184º/1 do CPTA. Sem aquele despacho não há compromisso arbitral.
Mas… e os critérios do 2º/2 da LAV acima descritos? Aplicam-se ao Direito Administrativo? Bom, na opinião de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, no que diz respeito aos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, não existe uma norma de permissão geral de arbitragem em matéria administrativa. Daqui resulta que a admissibilidade da arbitragem em matéria administrativa não resulta dos critérios gerais de arbitrabilidade que resulta do 2º/2 da LAV. É ao legislador a quem compete eleger o critério que o hão de orientar na identificação dos casos concretos. Por outras palavras, é ao Direito Administrativo que, em diploma próprio, cumpre definir um regime próprio no que toca aos critérios de arbitrabilidade a adotar no âmbito das relações jurídicas administrativas.
Com efeito, o 180º/º1 do CPTA reserva a possibilidade de constituição de um tribunal arbitral para dirimir conflitos que respeitem: (i) contratos, incluindo a apreciação de atos administrativos relativos à respetiva execução (ex: licenças) – ou seja, as questões enunciadas nas alíneas b), e) e f) do artigo 4.º do ETAF e tudo o que se relacione com a execução dos contratos; (ii)  responsabilidade civil extracontratual, incluindo a efetivação do direito de regresso - responsabilidade não só por danos decorrentes de atos de gestão pública mas também por danos decorrentes de atos de gestão privada da Administração - valendo aqui a Lei 67/2007 que regula a matéria de responsabilidade da Administração Pública(iii)  atos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade, ou seja, deve-se proceder, com base no artigo 160º do CPA, a uma delimitação negativa, abrangendo todos os atos cujos efeitos não sejam impostos por lei imperativa; (iv) litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público - exceto quando estão em causa direitos indisponíveis ou quando estes litígios resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional.
Refira-se ainda que, em qualquer das situações descritas no 180º/1 do CPTA, caso existam contrainteressados, o litígio não pode ser dirimido por um tribunal arbitral, a não ser que aqueles aceitem tal compromisso – é solução imposta pelo 180º/2 do CPTA, que se justifica pela relevância da tutela dos interesses dos contrainteressados no âmbito das relações jurídico-administrativas (os quais deverão obrigatoriamente ser demandados por aplicação analógica do artigo 57º do CPTA)
A arbitragem está excluída nos termos do artigo 185º/1 do CPTA, para a responsabilidade civil por prejuízos decorrentes de atos praticados no exercício da função política e legislativa ou da função jurisdicional, sendo da competência exclusiva dos tribunais administrativos, nos termos do 4º/1 g) do ETAF.
A eventual preterição do tribunal arbitral em violação da convenção arbitral tem as consequências previstas nos artigos 577º e 578º do CPC, supletivamente aplicáveis ex vi 1º CPTA.
O facto de ter como parte um sujeito da Administração Pública não descaracteriza a convenção de arbitragem como contrato de direito privado. Em síntese, dentro dos limites consentidos pela lei, os responsáveis pela entidade da Administração Pública que é parte do litígio, ao celebrarem a convenção arbitral, manifestam uma vontade livre de vinculação ao sistema de jurisdição arbitral e de renúncia aos tribunais do Estado.

VII.           TRIBUNAIS INSTITUCIONALIZADOS

Como já se disse, a Reforma do Contencioso Administrativo introduziu novidades significativas em matéria de arbitragem institucionalizada na área do Direito Administrativo, designadamente com a adoção pelo CPTA de uma disposição expressa destinada a regular a matéria: o artigo 187º.
A questão agora a colocar é a de que será que as competências previstas no artigo 187º do CPTA, para os centros de arbitragem institucionalizados em matéria administrativa, devem ser limitadas em função da delimitação efetuada no 180º CPTA? Eu diria que não com base em três argumentos: (i) em primeiro lugar, é evidente que o CPTA pretendeu deixar claro que os centros de arbitragem institucionalizados podem julgar litígios em áreas delimitadas de forma diferente do que um qualquer outro tribunal arbitral daí a diferente delimitação de competências para os tribunais arbitrais em geral (180º do CPTA) e para os tribunais arbitrais incluídos em centros de arbitragem institucionalizados (187º do CPTA); (ii) em segundo lugar, o espírito modernizador da Reforma do Contencioso Administrativo concretizou-se designadamente na criação de mecanismos de descongestionamento e agilização processual destinados – a arbitragem administrativa institucionalizada foi um desses instrumentos; (iii) finalmente, convém não esquecer que a criação de centros de arbitragem institucionalizados está sujeita a um formalismo e exigência que não impende perante os outros tribunais arbitrais: a lei exige que se siga um procedimento administrativo sendo que visa efetuar um controlo administrativo que, no caso dos tribunais arbitrais em geral, não existe. Em suma, é natural que se admita que centros de arbitragem institucionalizados possam julgar conflitos em situações onde outros tribunais arbitrais não possam interferir.
E agora, como pode um centro de arbitragem institucionalizado ser chamado a julgar numa matéria que lhe é reconhecida pela lei? Por três formas: (i) através de portarias ministeriais que aceitem previamente os tipos de litígios que lhe possam ser submetidos (187º/2 do CPTA); (ii) por via de um compromisso arbitral celebrado pelo ministro competente para as entidades públicas na sua dependência hierárquica ou pelo presidente do órgão dirigente de uma pessoa coletiva (184º/1 e /2 do CPTA); (iii) através do conteúdo dos contratos que venham a ser celebrados com particulares, onde é possível acordar previamente a submissão obrigatória de futuros litígios.
Resta, por último, referir o centro de arbitragem institucionalizado que mais se tem destacado em matéria de arbitragem administrativa. Falo do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa. A criação deste centro de arbitragem teve três objetivos. Pretendia-se, em primeiro lugar, que o CAAD proporcionasse uma resolução de conflitos administrativos de forma mais célere que nos tribunais administrativos. Em segundo lugar, pretendia-se que este Centro resolvesse litígios com custos mais baixos para os seus utentes garantindo uma via mais económica. Em terceiro lugar, queria-se que este centro de arbitragem oferecesse garantias de elevada especialização na análise das questões que lhe são submetidas.
Assim, o CAAD é um bom exemplo de aproveitamento das potencialidades oferecidas pela Reforma do Contencioso Administrativo.

VIII.       TRIBUNAIS ARBITRAIS NECESSÁRIOS E INTERNACIONAIS

Os tribunais arbitrais necessários são aqueles cuja constituição é prescrita por lei especial. O CPC admite-os e nada os impede no âmbito das relações jurídicas administrativas, sendo apenas exigível previsão em lei especial.
Destes tribunais distingue-se a situação do tribunal arbitral forçoso prevista no 182º do CPTA que dá ao interessado o direito de exigir da Administração a celebração de compromisso arbitral. A lei consagra aqui um verdadeiro direito do particular pelo que, se a Administração o não praticar, pode este recorrer ao artigo 67º do CPTA.
Mas… levantarão estes tribunais problemas relativamente à sua constitucionalidade? São dois os principais argumentos em que tem assentado a desconfiança constitucional. O primeiro é o do direito fundamental de acesso aos tribunais (artigos 20º/1 e 268º/4 e /5 da CRP) e, o segundo, o do princípio da igualdade (artigo 13º/1 da CRP). A amplitude constitucional suporta assim duas conceções distintas: de um lado defende-se a tese da inconstitucionalidade da arbitragem necessária; do outro admitem-se tribunais arbitrais necessários, desde que esteja garantido que a decisão arbitral não é definitiva, ou seja, contanto que esteja salvaguardado o direito de recurso pleno para os tribunais estaduais. Os defensores da inconstitucionalidade suportam a sua tese no argumento de que o Estado abdica de julgar certas categorias de conflitos o que significa uma expressa renúncia ao exercício da função (pública) jurisdicional, sendo que vão buscar apoio legal ao 20º/1 da CRP, como já referi. E, mais ainda, relativamente ao artigo 13º/1 da CRP, a verificação de que aqueles que utilizam um mecanismo de arbitragem necessária se encontram em desvantagem em face de todos os restantes que, por terem acesso aos tribunais estaduais, têm em alternativa o direito de escolher entre o acesso aos tribunais do Estado ou a mecanismos de arbitragem voluntária.
 Na minha opinião, a visão acima, com o devido respeito, não é a correta. Penso que a admissibilidade dos tribunais necessários não se prende com questões de inconstitucionalidade. No entanto, não se pode ignorar a garantia do direito de acesso aos tribunais consagrada no artigo 20º/1, da Constituição.
Por fim, relativamente à arbitragem em termos internacionais, resta agora saber se a Administração Pública se pode sujeitar à arbitragem no estrangeiro. A CRP e o CPTA nada dizem face a esta questão; no entanto, daí não decorre que esta não seja permitida. Na minha opinião, visto que a LAV e o CPTA não distinguem entre a arbitragem a realizar em Portugal ou no estrangeiro, não pode o intérprete também distinguir, aceitando, assim, a segunda nos mesmos termos da primeira. Há ainda um outro argumento que resulta da Convenção de Washington de 1965, ratificada por Portugal, de onde resulta que não existem restrições à arbitragem internacional em matérias administrativas.


·         BIBLIOGRAFIA

- “A arbitragem na nova justiça administrativa”, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 34, julho/agosto 2002;
- ALMEIDA, Mário Aroso de e CADILHA, Carlos Fernandes, “Comentário ao Código do Processo dos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2010;
- ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2017;
- AMARAL, Diogo Freitas do e ALMEIDA, Mário Aroso de, “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, Almedina, 2007;
- ANDRADE, José Vieira de, "A Justiça Administrativa", Almedina, 2009;
- CAUPERS, João, “A Arbitragem nos litígios entre Administração Pública e os particulares”, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 18, novembro/dezembro 1999;
- CORREIA, Sérvulo, “Arbitragem Voluntária nos Contratos Administrativas”, in Estudos em Memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Faculdade de Direito de Lisboa, 1995; 

- SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2009;



TIAGO LOPES DA VEIGA, n.º 25914