sábado, 16 de dezembro de 2017

Contencioso pré-contratual - Efeito suspensivo automático

Contencioso pré-contratual – Efeito suspensivo automático

Uma das principais alterações da revisão de 2015 traduz-se na atribuição de um efeito suspensivo automático à ação de contencioso pré-contratual.
As “Diretivas Recursos”, diretivas da União Europeia, nomeadamente o DL 134/98 e, mais tarde, a revisão da diretiva (2007/66 que diz respeito à melhoria da eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos), introduziram mudanças que o CPTA não conseguir acompanhar. O legislador, apesar da revisão ao Código dos Contratos Públicos, não alterou o regime do contenciosos pré-contratual, devendo tê-lo feito.
Até 2015, o CPTA não previa uma forma eficaz de previsão do mecanismo do efeito suspensivo automático. Para que fosse suspenso um ato de adjudicação era necessário requerer uma providência cautelar, nos termos do 132º CPTA, sendo que este requerimento determinava por si só a paralisação desse mesmo ato (128º CPTA). No entanto, isto não correspondia ao defendido pelas “Diretivas Recursos”.
A partir de 2015, ações de contencioso pré-contratual passam a ter efeito suspensivo automático, sendo que a entidade demandada é citada e o ato é desde logo paralisado.
Com efeito, dispõe o novo artigo 103.º-A, n.º 1 do CPTA que a “impugnação de atos de
adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender
automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver
sido celebrado”.
Sendo que já não é necessário requerer providências cautelares, que muitas das vezes eram indeferidas por se entender que os pressupostos legais das mesmas não estavam reunidos, os interesses dos autores ficam manifestamente mais tutelados, ou seja, há uma maior tutela judicial da posição dos autores no seio de litígios pré-contratuais.
Graças ao efeito suspensivo automático (uma espécie de momento cautelar prévio), já não é necessário requerer uma providência cautelar, correndo o risco desta nem sequer prosseguir. Isto faz com que se consiga paralisar o ato, ao contrário do que anteriormente acontecia em que o facto já estava consumado e era irreversível e a única tutela era uma mera indemnização. Não se conseguia alcançar, em muitos casos, o efeito útil da providência.

Devido a isto, nos contratos previstos no artigo 100º nº 1 CPTA não há tutela cautelar autónoma, fora da ação principal. A própria ação principal, nos casos de impugnação de atos de adjudicação, conduz à suspensão da eficácia que de pretendia obter com a providência cautelar.
Visto que este efeito suspensivo automático só se aplica em ações de impugnação de atos de adjudicação, é importante referir como se pode requerer esta mesma suspensão no caso de estarmos perante outro tipo de ações. Esta terá de ser requerida através do mecanismo presente no artigo 103º-B CPTA, ou seja, requerer medidas provisórias.
Em ambos os casos, será sempre no âmbito da ação principal que se procede à suspensão da eficácia dos atos.
Assim:
- Quando está em causa a impugnação de ato de adjudicação: suspensão automática, nos termos do artigo 103º-A CPTA;
- Quando não está em causa o anteriormente referido, ou seja, todas as outras ações que não tenham por objeto impugnar um ato de adjudicação: medidas provisórias, nos termos do artigo 103º-B CPTA.
- Quando estão em causa contratos que não estão previstos no artigo 100º nº1 CPTA: providência cautelar (132º CPTA).
Mais uma vez, é de extrema importância referir que a suspensão automática só opera quando a ação se destine à impugnação de um ato de adjudicação, sendo que as demais só podem recorrer às medidas provisórias. Não se deve concluir que este efeito não tem grande aplicação porque no âmbito do contencioso pré-contratual, a maioria dos processos têm como objeto a impugnação de ato de adjudicação.
Esta suspensão abrange a decisão de adjudicação, mas também a execução do próprio contrato, ou seja, mesmo que o contrato já tenha sido celebrado, o artigo 103º-A nº1 tem também aplicação. Isto previne os casos em que, para evitar a suspensão da adjudicação, as pessoas celebravam imediatamente o contrato. Mesmo com o início da execução do contrato, o ato é facilmente bloqueado e suspenso.
Ao contrário do que acontece com o artigo 128º CPTA, em que a suspensão automática aplicada às providências do artigo 132º CPTA, só suspende o ato de adjudicação e não a execução do contrato se já tivesse sido celebrado antes. Com o artigo 103º-A o legislador prevê a suspensão automática do próprio contrato, mesmo celebrado anteriormente.
Mas isto quer dizer então que o autor pode sempre gozar do efeito suspensivo automático independentemente de possuir e invocar determinados prejuízos na sua esfera jurídica?
Parece que a lei não o exige, bastando apenas que o autor impugne o ato de adjudicação, sem ter de dizer e justificar nada. Penso que o legislador poderia ter tomado mais cautela neste aspeto pois isto faz com que atos de adjudicação sejam automaticamente suspensos mesmo que deles não advenham quaisquer prejuízos e desvantagens para o autor, podendo levar a situação de grande injustiça e desproporcionalidade.
Deste modo conclui-se que o efeito suspensivo opera sempre, mesmo que o autor não tenha qualquer tipo de prejuízo, mesmo que isto dificulte o justo equilíbrio dos diversos interesses presentes na ação.
A única ressalva que o artigo 103º-A possui está presente no nº4, sendo que pode ocorrer o levantamento do efeito suspensivo quando os danos resultantes da impugnação do ato forem superiores aos que podem resultar deste mesmo levantamento. Sendo que é o réu ou os contrainteressados que alegam os graves prejuízos para o interesse público ou que gerem consequências lesivas e desproporcionais (nº2 do mesmo artigo).
Mas como é de esperar, não é propriamente fácil pesar os prejuízos para o interesse público e para a parte/impugnante. Será que basta que os primeiros sejam um pouco superiores aos do impugnante ou têm de ser graves como refere o artigo?
Tem de ser algo substancial e significativo, algo que seja gravemente desproporcional, com prejuízos qualificados, mas nem sempre é fácil determinar. Devido a isto este levantamento possui um carácter excecional.
Ainda relativamente ao levantamento anteriormente referido, é bastante discutida a questão de se saber qual é o prazo para o mesmo.
À partida seria a todo o tempo devido ao facto da própria lei não fixar qualquer limite temporal mas a doutrina defende duas outras possibilidades de aplicação:
- Um prazo de 5 dias, ao abrigo do artigo 102º nº3, alínea c) CPTA;
- Um prazo de 20 dias nos termos da alínea a) do mesmo artigo.
Outra questão relevante é a de saber se este efeito suspensivo opera desde logo com a propositura da ação, ou seja, se basta o envio da petição inicial para o Tribunal para se suspender automaticamente ato. O momento relevante para a suspensão, defendido pela maioria da doutrina, é o da citação do réu. Parece ser o mais justo para ambos os lados.
Deste modo, se a citação foi efetuada corretamente inicia-se o efeito suspensivo, excluindo-se claramente os casos em que a parte demandada inviabiliza culposamente o recebimento da citação.
E se porventura esta suspensão não for acatada? Que consequências advêm desta falta de cumprimento?
A doutrina tem defendido que o autor, quando tem conhecimento de que o efeito suspensivo está a ser violado, pode gozar de um “incidente de execução indevida” como acontece no artigo 128º nº4 CPTA, no âmbito dos processos cautelares.
Para além da responsabilidade que o réu e/ou contrainteressados tenham por violarem a suspensão automática. Isto, claro, sem prejuízo da responsabilidade que recai sobre estas mesmas entidades, por terem desobedecido à ordem dada pelo Tribunal.
É de se concluir então que o efeito suspensivo automático foi das principais mudanças da reforma de 2015, sendo que substancia um claro acréscimo da tutela dos eventuais interessados em impugnar um ato de adjudicação por já não necessitarem de requerer uma providência cautelar. Deste modo a sua pretensão é alcançada com mais eficácia e rapidez garantindo o efeito útil da ação proposta. Consegue-se a paralisação imediata do ato a partir do momento em que a entidade demandada é citada, sem ser necessário mais nada.

Maria Teresa Fernandes Pereira Pinto
Nº 24894
Subturma 3


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