Contencioso
pré-contratual – Efeito suspensivo automático
Uma
das principais alterações da revisão de 2015 traduz-se na atribuição de um
efeito suspensivo automático à ação de contencioso pré-contratual.
As
“Diretivas Recursos”, diretivas da União Europeia, nomeadamente o DL 134/98 e,
mais tarde, a revisão da diretiva (2007/66 que diz respeito à melhoria da
eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos),
introduziram mudanças que o CPTA não conseguir acompanhar. O legislador, apesar
da revisão ao Código dos Contratos Públicos, não alterou o regime do
contenciosos pré-contratual, devendo tê-lo feito.
Até
2015, o CPTA não previa uma forma eficaz de previsão do mecanismo do efeito
suspensivo automático. Para que fosse suspenso um ato de adjudicação era
necessário requerer uma providência cautelar, nos termos do 132º CPTA, sendo
que este requerimento determinava por si só a paralisação desse mesmo ato (128º
CPTA). No entanto, isto não correspondia ao defendido pelas “Diretivas
Recursos”.
A
partir de 2015, ações de contencioso pré-contratual passam a ter efeito
suspensivo automático, sendo que a entidade demandada é citada e o ato é desde
logo paralisado.
Com
efeito, dispõe o novo artigo 103.º-A, n.º 1 do CPTA que a “impugnação de atos
de
adjudicação
no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender
automaticamente
os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver
sido
celebrado”.
Sendo
que já não é necessário requerer providências cautelares, que muitas das vezes
eram indeferidas por se entender que os pressupostos legais das mesmas não
estavam reunidos, os interesses dos autores ficam manifestamente mais tutelados,
ou seja, há uma maior tutela judicial da posição dos autores no seio de
litígios pré-contratuais.
Graças
ao efeito suspensivo automático (uma espécie de momento cautelar prévio), já
não é necessário requerer uma providência cautelar, correndo o risco desta nem
sequer prosseguir. Isto faz com que se consiga paralisar o ato, ao contrário do
que anteriormente acontecia em que o facto já estava consumado e era
irreversível e a única tutela era uma mera indemnização. Não se conseguia
alcançar, em muitos casos, o efeito útil da providência.
Devido
a isto, nos contratos previstos no artigo 100º nº 1 CPTA não há tutela cautelar
autónoma, fora da ação principal. A própria ação principal, nos casos de
impugnação de atos de adjudicação, conduz à suspensão da eficácia que de
pretendia obter com a providência cautelar.
Visto
que este efeito suspensivo automático só se aplica em ações de impugnação de
atos de adjudicação, é importante referir como se pode requerer esta mesma
suspensão no caso de estarmos perante outro tipo de ações. Esta terá de ser
requerida através do mecanismo presente no artigo 103º-B CPTA, ou seja,
requerer medidas provisórias.
Em
ambos os casos, será sempre no âmbito da ação principal que se procede à
suspensão da eficácia dos atos.
Assim:
-
Quando está em causa a impugnação de ato de adjudicação: suspensão automática,
nos termos do artigo 103º-A CPTA;
-
Quando não está em causa o anteriormente referido, ou seja, todas as outras
ações que não tenham por objeto impugnar um ato de adjudicação: medidas
provisórias, nos termos do artigo 103º-B CPTA.
-
Quando estão em causa contratos que não estão previstos no artigo 100º nº1
CPTA: providência cautelar (132º CPTA).
Mais
uma vez, é de extrema importância referir que a suspensão automática só opera
quando a ação se destine à impugnação de um ato de adjudicação, sendo que as demais
só podem recorrer às medidas provisórias. Não se deve concluir que este efeito
não tem grande aplicação porque no âmbito do contencioso pré-contratual, a
maioria dos processos têm como objeto a impugnação de ato de adjudicação.
Esta
suspensão abrange a decisão de adjudicação, mas também a execução do próprio
contrato, ou seja, mesmo que o contrato já tenha sido celebrado, o artigo
103º-A nº1 tem também aplicação. Isto previne os casos em que, para evitar a
suspensão da adjudicação, as pessoas celebravam imediatamente o contrato. Mesmo
com o início da execução do contrato, o ato é facilmente bloqueado e suspenso.
Ao
contrário do que acontece com o artigo 128º CPTA, em que a suspensão automática
aplicada às providências do artigo 132º CPTA, só suspende o ato de adjudicação
e não a execução do contrato se já tivesse sido celebrado antes. Com o artigo
103º-A o legislador prevê a suspensão automática do próprio contrato, mesmo
celebrado anteriormente.
Mas
isto quer dizer então que o autor pode sempre gozar do efeito suspensivo
automático independentemente de possuir e invocar determinados prejuízos na sua
esfera jurídica?
Parece
que a lei não o exige, bastando apenas que o autor impugne o ato de
adjudicação, sem ter de dizer e justificar nada. Penso que o legislador poderia
ter tomado mais cautela neste aspeto pois isto faz com que atos de adjudicação
sejam automaticamente suspensos mesmo que deles não advenham quaisquer
prejuízos e desvantagens para o autor, podendo levar a situação de grande
injustiça e desproporcionalidade.
Deste
modo conclui-se que o efeito suspensivo opera sempre, mesmo que o autor não
tenha qualquer tipo de prejuízo, mesmo que isto dificulte o justo equilíbrio
dos diversos interesses presentes na ação.
A
única ressalva que o artigo 103º-A possui está presente no nº4, sendo que pode
ocorrer o levantamento do efeito suspensivo quando os danos resultantes da
impugnação do ato forem superiores aos que podem resultar deste mesmo
levantamento. Sendo que é o réu ou os contrainteressados que alegam os graves
prejuízos para o interesse público ou que gerem consequências lesivas e
desproporcionais (nº2 do mesmo artigo).
Mas
como é de esperar, não é propriamente fácil pesar os prejuízos para o interesse
público e para a parte/impugnante. Será que basta que os primeiros sejam um
pouco superiores aos do impugnante ou têm de ser graves como refere o artigo?
Tem
de ser algo substancial e significativo, algo que seja gravemente
desproporcional, com prejuízos qualificados, mas nem sempre é fácil determinar.
Devido a isto este levantamento possui um carácter excecional.
Ainda
relativamente ao levantamento anteriormente referido, é bastante discutida a
questão de se saber qual é o prazo para o mesmo.
À
partida seria a todo o tempo devido ao facto da própria lei não fixar qualquer
limite temporal mas a doutrina defende duas outras possibilidades de aplicação:
-
Um prazo de 5 dias, ao abrigo do artigo 102º nº3, alínea c) CPTA;
-
Um prazo de 20 dias nos termos da alínea a) do mesmo artigo.
Outra
questão relevante é a de saber se este efeito suspensivo opera desde logo com a
propositura da ação, ou seja, se basta o envio da petição inicial para o
Tribunal para se suspender automaticamente ato. O momento relevante para a
suspensão, defendido pela maioria da doutrina, é o da citação do réu. Parece
ser o mais justo para ambos os lados.
Deste
modo, se a citação foi efetuada corretamente inicia-se o efeito suspensivo,
excluindo-se claramente os casos em que a parte demandada inviabiliza culposamente
o recebimento da citação.
E
se porventura esta suspensão não for acatada? Que consequências advêm desta
falta de cumprimento?
A
doutrina tem defendido que o autor, quando tem conhecimento de que o efeito
suspensivo está a ser violado, pode gozar de um “incidente de execução
indevida” como acontece no artigo 128º nº4 CPTA, no âmbito dos processos
cautelares.
Para
além da responsabilidade que o réu e/ou contrainteressados tenham por violarem
a suspensão automática. Isto, claro, sem prejuízo da responsabilidade que recai
sobre estas mesmas entidades, por terem desobedecido à ordem dada pelo
Tribunal.
É
de se concluir então que o efeito suspensivo automático foi das principais
mudanças da reforma de 2015, sendo que substancia um claro acréscimo da tutela
dos eventuais interessados em impugnar um ato de adjudicação por já não
necessitarem de requerer uma providência cautelar. Deste modo a sua pretensão é
alcançada com mais eficácia e rapidez garantindo o efeito útil da ação
proposta. Consegue-se a paralisação imediata do ato a partir do momento em que
a entidade demandada é citada, sem ser necessário mais nada.
Maria
Teresa Fernandes Pereira Pinto
Nº
24894
Subturma
3
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