sábado, 16 de dezembro de 2017

Os Contrainteressados no Contencioso Administrativo

Os Contrainteressados

O Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante CPTA, prevê no seu artigo 57º que, para além da entidade autora do acto impugnado, devem ser obrigatoriamente demandados todos os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar, bem como aqueles que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.

O Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva, em sede de aulas plenárias, e de forma moderadamente insistente, recordou-nos a infância difícil e traumática do Direito Administrativo e Contencioso português. Infância que cedeu inevitavelmente perante o avançar da idade - tal e qual as águas de um rio que caminham ininterruptamente para a sua foz -, e deu lugar a um jovem adulto cujo campo de incidência é cada vez maior.

Este alargamento do campo de incidência do direito contencioso administrativo contribuiu, e muito, para a impossibilidade de manter as tradicionais relações bilaterais que se estabeleciam entre a administração e os administrados, dando lugar à estrutura multilateral vigente.

Na prossecução do interesse público, e perante a multiplicidade de relações no quotidiano, cumpre averiguar se estes terceiros, na medida em que se incluem nos efeitos da decisão administrativa, devem ou não ser convocados a juízo. Não se está, deste modo, perante uma extensão da legitimidade; pretende-se, ao invés, saber se um terceiro deverá ser notificado para intervir num processo iniciado por outro interessado.

No processo administartivo, para além da identificação das partes principais (autor e réu), deverão também ser identificados eventuais contrainteressados (art.57º e 78º/2/b) do CPTA), pois estes são sujeitos da relação processual e também da relação administrativa.

O art.10º/1 do CPTA, na sua parte terminal, estabelece uma extensão desta regra, dotando de legitimidade passiva os “titulares de interesses contrapostos ao autor”. Aqui encontra-se a génese da intervenção a título principal dos contrainteressados no litígio.

O legislador consagrou o regime dos contrainteressados na acção de impugnação de actos administrativos no artigo 57º e na acção de condenação à prática do acto devido no artigo 68º/2, contendo o mesmo objecto.

Conjugando esses mesmos artigos do CPTA, o Prof. Doutor Vieira de Andrade entende que os contrainteressados podem surgir num litígio como partes acessórias em coexistências com as partes principais, desde que se esteja perante uma situação de interesse. Assim sendo, e em sintonia com esta linha de pensamento, serão contrainteressados todos os que tenham interesse directo e pessoal em que não se dê provimento à acção. Do lado oposto surgem os cointeressados: aqueles que, ao invés, almejam uma situação de não provimento do pedido do autor.

Tendo em conta que o conceito de contrainteressado está associado ao prejuízo que poderá advir da procedência da acção impugnatória para todos aqueles que, de algum modo, estiveram envolvidos na relação material controvertida, o Prof. Doutor Mário Esteves de Oliveira entende que o conceito de contrainteressado está associado ao prejuízo que poderá advir da procedência da acção impugnatória para todos aqueles que, de algum modo, estiveram envolvidos na relação material controvertida.

Seguindo esta linha de raciocínio, os contrainteressados podem ser divididos em directos ou legítimos (art.57º do CPTA). Por contrainteressados directos entende-se as “pessoas que serão directamente desfavorecidas, nos seus direitos ou interesses, pela procedência da acção instaurada, do mesmo modo em que o autor sairia favorecido”. Por sua vez, os contrainteressados legítimos serão aqueles “que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado”. Neste sentido, referem os autores, o “espelho” criado pelo art.55º/1/a), ao estabelecer o critério que determina a legitimidade activa, determina também, na sua vertente negativa, a qualidade de contrainteressado, sendo aquele que tem interesse directo e pessoal na manutenção do acto impugnado.

O Prof. Doutor Mário Aroso de Almeida, no seu manual, preconiza que os contrainteressados serão todos os centros de imputação de normas jurídicas a quem a procedência da acção possa prejudicar ou que tenham interesse na permanência da situação contra a qual se insurge o autor; não fazendo, por isso, uma distinção entre contrainteressados e cointeressados.

Para o Prof. Doutor Paulo Otero, os contrainteressados são aqueles a quem o provimento possa directamente prejudicar. A intervenção processual destes sujeitos acaba por ser um ónus do proponente da acção, sendo que a falta de citação de um contrainteressado gera ilegitimidade, que pode, contudo, ser regularizada pelo tribunal.

A participação dos contrainteressados prende-se não só com razões de natureza subjectivista mas também objectivista.

Em primeiro lugar, e tal como o próprio nome o sugere, o contrainteressado não deixa de ser um interessado na decisão, motivo pelo qual lhe é conferido o direito fundamental de acesso à justiça, patente no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como uma tutela jurisdicional efectiva dos administrados (268º/4 da CRP), e ainda, o direito ao contraditório para uma efectiva igualdade das partes, que, ao abrigo também do princípio do Estado de Direito Democrático, devem ser ouvidas, na medida em que uma decisão futura terá sempre influência na sua esfera jurídica.

Em segundo lugar, depois de analisadas as questões de índole subjectivista, vamos perceber que o litisconsórcio deve ser necessário e unitário, pois a decisão decorrente do processo deverá ter os mesmos efeitos para todas as partes e só poderá abranger todas as partes que nele participem. Seguindo esta lógica, quem não for chamado ao processo não poderá ser prejudicado pela decisão.

Imaginemos o seguinte exemplo: A, B, C e D participam num concurso, ficando classificados por esta mesma ordem. No caso de C impugnar o acto, A e B serão contrainteressados. E D? Será também um contrainteressado?

No meu entender, independentemente da decisão do Tribunal, D não terá a sua esfera jurídica afectada. Ainda assim, C, se o e entender, poderá demandar D, podendo este último optar por não comparecer em juízo sem que nada lhe aconteça.

Diferente seria a situação em que, em vez de termos a escolha em função da classificação, fosse aberto um novo concurso, com possibilidade de novas propostas feitas em sintonia com os novos critérios. Perante este cenário todos os outros participantes deveriam ser notificados.

Imaginemos agora que os requisitos para um concurso público são alterados para outros menos exigentes sem a devida comunicação ao público. Perante esta situação não só os indivíduos que foram aprovados seriam contrainteressados como também todos os participantes. Sem esquecer todos os outros sujeitos que não participaram porque acreditavam que não preenchiam os primeiros requisitos. Serão esses também contrainteressados? A meu ver, não, pois estaríamos a cair num extensão irrazoável do conceito.

Ainda assim, no grosso das impugnações de contencioso pré-contratual, o autor, por cautela, costuma indicar como contrainteressados todos os restantes concorrentes. Para tal, o art.78º/A permite ao autor, antes da propositura da acção, requerer à administração a passagem de certidão onde constem os elementos de identificação de cada um dos contrainteressados. Esta certidão tem de ser emitida no prazo legal de 10 dias conforme o art.84º do CPTA.

O autor identifica os contrainteressados conhecidos e requer a intimidação judicial “da entidade demandada, para que no prazo de 5 dias, fornecer ao tribunal a identidade e residência dos contrainteressados em falta, para o efeito de poderem ser citados (art.78º-A, nº2 do CPTA).

No cômputo geral, poder-se-á afirmar que são contrainteressados todos aqueles para os quais o acto impugnado assuma natureza de ato constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos e cuja modificação lhes faça poder perder os direitos já adquiridos. São de considerar contrainteressados, ainda, todos aqueles que, tendo sido aprovados, poderão ver a sua graduação modificada pela decisão do Tribunal a favor do autor da acção. Por último, serão também contrainteressados, mesmo que não tenham sido sequer aprovados, (ou seja, todos os concorrentes), desde que sejam atingidos pelo fundamento do ato que o autor pretende impugnar, por exemplo, se o autor da impugnação pretende anular o ato, todos serão atingidos na sua esfera jurídica se o Tribunal considerar a acção procedente.

 João Dinis Santos Ramos, nº26143

Bibliografia:

- ALMEIDA, Mario Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2016.

            - SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2009

          - OTERO, Paulo, Os contrainteressados em contencioso administrativo: fundamento, função, e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001


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