sábado, 16 de dezembro de 2017

Patrocínio judiciário das entidades públicas


Comecemos por uma breve alusão ao patrocínio judiciário em termos gerais. O patrocínio judiciário traduz-se na representação em juízo por um profissional, profissional este que, por via de regra, será um advogado. A razão de ser deste pressuposto processual, é assegurar que a condução do processo será atribuída a profissionais com a devida habilitação técnica. Este pressuposto processual rege-se pelo preceituado no artigo 40º e seguintes do Código de Processo Civil (doravante CPC), visto que o artigo 11º, nº1, 1ª parte do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA daqui em diante) faz uma remissão para o diploma anteriormente mencionado. Este artigo refere ainda que perante os Tribunais Administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, vide para este efeito o artigo 43º e seguintes do CPC. Em termos constitucionais, a nossa Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra ainda nos artigos 20º, nº2 e 208º, o direito a ser representado em juízo por um advogado.

Notamos alterações significativas no artigo 11º do CPTA após a revisão de 2015. Falaremos agora das alterações que saltam mais à vista. Na anterior redação, o artigo 11º, nº1 dispunha que “Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado”, sendo que na redação actual do artigo 11º, nº1 é obrigatória a constituição de mandatário, remetendo nesta parte para o CPC, como vimos supra. Este novo nº1 do art.11º, incorpora parte do nº2 e abrange ainda os licenciados em direito ou em solicitadoria. Quanto a este ponto, é de se referir que quando esteja em causa um licenciado em direito ou em solicitadoria, é necessário um mandato forense para que esse patrocínio seja possível. Outra modificação com relevo é a seguinte: no CPTA de 2011, o artigo 11º, nº2 dizia-nos que o Ministério Público representava o Estado nos processos que tivessem por objecto relações contratuais e de responsabilidade. Em 2015, aquando da revisão, a redação foi alterada e o actual artigo 11º, nº1 diz-nos apenas “sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público”. A lei passou a não distinguir entre ações relativas a matéria contratual e de responsabilidade  e as demais ações. Deste modo, ubi lex non distinguit nec, nos distinguere debemus, quer-se com este brocardo dizer que o que a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir. Pelo que a partir de 2015, a representação do Estado pelo Ministério Público passou a estar a ampliada a todas as ações que sejam propostas contra o Estado, deixando de estar reservada às ações relativas a matéria contratual e de responsabilidade.

O Sr. Professor Mário Aroso de Almeida levanta a questão de saber se uma entidade pública, que não o Estado, pode também ser representada na propositura da ação, tendo em conta que o artigo 11º do CPTA admite que tais entidades podem surgir na relação processual na posição de demandante. Entendemos que as regras do patrocínio judiciário são aplicáveis a qualquer tipo de intervenção processual destas entidades, portanto, a resposta será afirmativa.  

Relativamente ao patrocínio das entidades públicas, é necessário distinguir entre duas situações. Por um lado quando esteja em causa o Estado, caso em que é feita a ressalva da representação por parte do Ministério Público (artigo 11º, nº1, in fine, CPTA) e por outro lado, quando esteja em causa qualquer outra entidade pública que não o Estado (artigo 11, nº1, CPTA. “… podendo as entidades públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico …”)


A expressão "sem prejuízo da representação do Estado pelo MP”, plasmada no artigo 11º, nº1, in fine, CPTA, tem que ser interpretada de forma cuidadosa. Este preceito destoa das propostas do CPTA, tendo existido uma alteração de "última hora”, de modo a que ficasse salvaguardada a hipótese do Ministério Público representar o Estado em casos de responsabilidade extra-contratual. Alguma doutrina defende que o artigo supra citado, torna obrigatória a representação do Estado pelo Ministério Público. No nosso entender, não será esta a posição a adotar. A expressão “sem prejuízo de” é apresentada habitualmente num contexto de possibilidade e não de obrigatoriedade. Se o legislador pretendesse efectivamente fazer sobressair o carácter obrigatório desta situação, teria redigido o artigo de outra forma, v.g. “Quando se trate da representação do Estado, o patrocínio será assegurado pelo Ministério Público”. Um argumento mais forte que este é o argumento apresentado pelo Sr. Professor Mário Aroso de Almeida, que refere que os agentes do Ministério Público não são, nem têm que ser os advogados do Estado. O Sr. Professor propõe a criação de um corpo próprio de advogados do Estado, que estivesse submetido a um estatuto disciplinar e deontológico similar ao dos advogados. Estes advogados teriam a exclusiva função de patrocinar o Estado, substituindo o Ministério Público nas ações propostas contra o Estado e os licenciados em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico nas ações propostas contra os Ministérios. Esta representação do Estado pelo Ministério Público será assim facultativa e não obrigatória.



BIBLIOGRAFIA:
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual de Processo administrativo, 3ª edição, 2017;
ALMEIDA, Mário Aroso de; CADILHA, Carlos Alberto Fernandes – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição, 2017.


Pedro de Almeida Sargaço Loureiro, nº26714, subturma 3 do 4º ano.

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